domingo, 25 de maio de 2014

A Índia e o galope do extremismo


Esta semana foi de campanhas e eleições por todo lado. A principal, que tem influência direta sobre os destinos de todo um continente, é a europeia. O Parlamento tende a guinar para a direita direita, se não for exrema. Perigo à vista. Os fascistas estão ativos em seu discurso populista e prontos pra dar o bote nas liberdades alheias.
A eleição na Ucrânia também é importante, bastante. Entretanto a garantia de Putin respeitar o resultado é um balde de água fria na fogueira gringa de briga. Portanto, o problema internacional tende a se normalizar, contanto que a União Europeia e os Estados Unidos respeitem a vontade das províncias de Luhansk e Donetsk e a independência já consumada da Crimeia. Depois o presidente eleito terá de administrar a crise, mas deve ser interna, como deveria ter sido desde o início; e não geopolítica.
No mesmo assunto, mas em outra frente de batalha entre Barack Obama e Vladimir Putin, houve a moção relativamente absurda apresentada ao Conselho de Segurança da ONU contra o governo da Síria e a óbvia reprovação da Rússia e da China. Questão relevante no absoluto, mas apenas no absoluto do xadrez geopolítico entre o Kremlin e a Casa Branca. Era claro que Obama usaria a Síria para atingir Putin e ele fez o previsível. Depois condenou o apoio do Presidente da Rússia aos crimes de Bashar el-Assad e a mídia caiu como um patinho no poço habitual dos dois pesos e duas medidas - Se não fossem os vetos sistemáticos dos EUA a todas as Resoluções da ONU contra os crimes de Israel na Palestina, o problema já estaria resolvido há décadas em vez da IDF (forças israelenses de ocupaçã) continuar a matar impunemente como acabou de acontecer durante as manifestações pacíficas no 66° aniversário da Naqba no dia 15 de maio. Pois é, 66 anos, já! E os abusos e a colonização prosseguem sem nenhuma intervenção contundente das Nações Unidas.
A Líbia, o Yêmen e o Egito também mereceriam consideração especial esta semana por causa de eleição e do ditador Sissi que vai se eleger com as cadeias cheias de presos políticos e de jornalistas.
Estou ocupada com o Papa em sua viagem menos diplomática e mais engajada do que a do Bento pelo Oriente Médio. Da Jordânia direto para a Palestina sem passar pelo aeroporto Ben Gurion de Tel Aviv! Jamais visto. De Amman para Belém e o reconhecimento do Estado da Palestina pelo Vaticano é feito em uma travessia de fronteira.
Estou preocupada com a Índia e o fascismo que anda à espreita na Europa e que acabou de sair vitorioso no maior paí da Ásia.

Um dos meus livros de cabeceira é o Der Mann ohne Eigenschaften - O Homem sem Qualidades, de Robert Musil. Livro que explica as circunstâncias em que o nazismo nasceu em 1865 páginas sem explicação didática e sim através de descrição das ocupações e preocupações da elite socio-intelectual europeia após a Primeira Guerra Mundial.
A obra magistral de Musil se distingue pela inteligência. Uma inteligência intrínseca, como na obra prima Der Zauberberg - A Montanha Mágica de Thomas Mann - que por sinal, já famoso com a Morte em Veneza e outros livros de sucesso recomendou por escrito o do colega austríaco quando soube que o editor não queria publicar o segundo volume do Homem sem Qualidades apesar dos elogios da crítica especializada. Ora, o público alemão que leu o primeiro volume de 818 páginas ficara chocado com o cinismo, a crueldade e a lucidez intelectual que emerge de página a página e fastidiado com a reflexão que exige cada parágrafo. Ainda bem que a editora acabou publicando a obra prima sem cortar nem uma linha.
O homem sem qualidades é Ulrich, alter-ego de Musil que é encarregado de pensar e pensa, pensa, pensa sem parar no contexto da época e na inteligência propriamente dita, da vida, da Áustria, do mundo e dos fatos, constatando com amargura que tanta elucubração mental sem ação só pode levar ao desastre, que no caso, foi Hitler.
(Em linguagem contemporânea, mudar o mundo em mesa de boteco em vez de agir para melhorá-lo com ações concretas individuais e coletivas só faz piorar).
A estória se desenrola entre 1913 e meados da década de 30, quando Viena reunia os maiores cérebros da Europa. Um dos assuntos discutidos e dissecados nas rodas sociais é um homem, Moosbrugger. Um prisioneiro que cometeu vários crimes atrozes e que mesmo assim suscita sentimentos ambíguos nesta elite intelectual estranhamente condescendente.
Tenho sentido na Europa e alhures uma alienação parecida quando não uma atração pelo extremismo de direita e suas teorias. Cá, de rigor incorruptível (Hitler vivia como nababo e também Mussolini!); acolá de ultra-nacionalismo exclusivista (que deu no genocídio fascho-nazista de milhões de ciganos, deficientes, judeus, oposicionistas).
E é aqui é que entra a Índia e seu novo Primeiro Ministro.

A filósofa alemã-estadunidense Hannah Arendt disse um dia que Even in the darkest of times we have the right to expect some illumination."  Na Índia está difícil.
A campanha eleitoral que levou Narendra Modi ao cargo de Primeiro Ministro foi a mais vergonhosa que o país viveu desde a primeira eleição nacional organizada em 1951.
Nada a ver com aquela primeira campanha esperançosa e entusiasmada de 1951 que levou ao poder Jawaharlal Nehru, descrita na pérola literária A Suitable Boy de Vikram Seth. O escritor indiano apresenta Nehru como um homem de consenso religioso e social: "The thought of India as a Hindu state, with its minorities treated as second-class citizens, sickened him." O país que Nehru queria construir era homogêneo em sua heterogeneidade socio-religosa. Um país em que todos, dos Dalits (intocáveis) aos muçulmanos aos hindus de classe média e alta tivessem lugar e fossem respeitados.
Mas isto foi a geração que se libertou da colonização britânica após a Segunda Guerra Mundial, recém-dividida e com um futuro nacional. 
A Índia de hoje é a dos arranha-céus, dos negócios milionários e do trem bala. Está classificada em 10° lugar entre as maiores economias do mundo (o Brasil é 7°) e é o segundo país mais populoso do planeta (1 bilhão e 200 milhões de habitantes) depois da China. Por isso era considerada, até a semana passada, a maior democracia per capita do planeta. Digo "era" considerada porque  Narendra Modi não é graça.
Nada a ver com Ghandi, cujo assassino disse que o matou porque ele era bonzinho demais com os compatriotas muçulmanos.
Nada a ver com Nehru que achava seu país flexível o suficiente para acomodar diferenças sem desavenças.
Modi acredita que os hindus são os "arianos" de seu continente.
Seres superiores de nascença e crença. A despeito do atraso de mentalidade que impede que a classe baixa usufrua da riqueza nacional e suba pelo menos um degrau da escada socio-econômica.  
Pois a corrupção que no Brasil nos revolta (embora muitos dos que criticam os políticos participem dela direta ou indiretamente corrompendo sem acharem grave o que fazem e sim uma condição sine qua non para levarem alguma vantagem), mas ela é fichinha perto dos nossos parceiros dos BRICs.
(Deve ser uma das doenças de novo rico, além da ignorância.)
Na Índia a corrupção é endêmica. Um pouco como na China, apesar dos chineses culturalmente já serem propensos a sempre levar vantagem. (Um colega maldoso que cobre a China diz que a primeira frase que os chineses aprendem a falar é "o que eu ganho com isso?" antes de dizer mamãe e papai.)
O indiano é diferente. É amável e prestativo com os turistas. É boa gente. Mas entre eles não se obtém nada sem propina e se entreajudam conforme a região de origem e o clã do qual descendem. As classes sociais são imóveis, portanto, a elite social é a elite econômica, tirando quem faz fortuna no banditismo explícito ou implícito - como por exemplo o de vender água "mineral" tirada direto dos rios imundos, fervida e "engarrafada" em garrafas recolhidas cá e acolá.
O Estado existe em seus poderes executivo, legislativo e judiciário, mas o exercício deste poder é relativo e discriminado. O país é governado em um desgoverno de economia informal e troca de favores.
A violência no país é imensa, com batalhas inter-gangues e inter-religiosas. Tantas que a imprensa internacional prefere falar sobre os narco-traficantes nas nossas favelas e nossos assaltos em vez de falar dos crimes cometidos em Mumbai e Delhi, frequentes demais. E talvez por acontecerem fora do circuito turístico-religioso e dos centros de negócio, devidamente lacrados e policiados para proteger a imagem.

Como se sabe, o próprio Primeiro Ministro recém-empossado é co-responsável por um derramamento de sangue terrível em fevereiro de 2002 em seu estado. Só pra lembrar. Saiu uma notícia que muçulmanos haviam incendiado um trem e matado 58 peregrinos hindus em Gujarat. A caça às bruxas começou em seguida. No estado inteiro hindus saíram pelas ruas à caça de muçulmanos e até o dia 15 de março mataram, estupraram e pilharam famílias apavoradas. As presas foram fáceis; mais de 2000 terminaram enterrados e centenas de famílias ficaram desabrigadas durante o ataque coordenado. Ficou confirmado que pelo menos dois secretários de governo entraram em contato com a polícia para que esta não agisse e o próprio Modi ordenou que os policiais deixassem o caminho dos assassinos livre.
A selvageria foi pública e assumida. Lembrou-me uma outra que havia testemunhado em 2004, em Ruanda, quando os Utus saíram à caça dos Tutsis em um processo de exterminação instigado pela rádio.
A barbárie foi a mesma. Vizinho contra vizinho e até dentro de famílias com casamentos mistos.
Apesar da distância geográfica e histórica, as características do ódio visceral e da represália bestial aproximou bastante os dois povos, o africano e o asiático. No Gujarat, hindus mataram crianças esmagando cabeças contra a parede como se fossem melancias e outras atrocidades captadas por repórteres e câmeras de televisão que chocaram o país inteiro.
Narendra Modi e seu secretariado foram investigados e é claro que negaram qualquer participação no evento macabro. Desde então as ONGs de Direitos Humanos, sentindo o perigo crescente, começaram a marcar Modi sob pressão. Denúncias e denúncias foram feitas e formalizadas judicialmente. Ele nunca foi condenado. Nem depois da revista Tehelka entrevistar políticos, empresários, funcionários públicos que lembraram, com vozes entusiasmadas, como eles mesmos mataram e estupraram muçulmanas com autorização de seus superiores hierárquicos.
Modi seguiu firme e forte. Apesar do programa fascista do RSS (Rashtriya Swayamsevak Sangh), e de Modi ter costume de retirar-se de entrevistas individuais e coletivas quando uma pergunta não lhe agrada, querendo ou não, ele agora é o capitão do navio Índia e pronto, está acabado. Perigo à vista em uma sociedade estratificada e compartimentada.


Por causa do trabalho, aprendi a gostar de filmes de Bollywood - tenho até ator preferido (Shahrukh Khan, que por sinal é muçulmano e não hindu e fez um filme ocidentalizado imperdível até para quem não aprecia a "breguice" bollywoodiana, My name is Khan), e leio com frequência livros indianos e aprecio muitos autores de lá, além do célebre Salman Rushdie.
Ambos prazeres começaram por obrigação.
O primeiro, para estar em fase com a população sobre a qual tinha de escrever e melhor conhecê-la através de suas distrações - indiano com cinema é igual brasileiro com novela das nove...
O segundo, a literatura, para entender o funcionamento da sociedade por uma ótica socio-político-quotidiano-familiar que para um estrangeiro é difícilmente acessível só com contatos pontuais até quando se entra nas casas, se entende as castas e se participa de eventos familiares.
Há vários autores e livros que descrevem bem a Índia e seus costumes, mas aqui só vou citar outro, além do Suitable Boy de Vikram Seth citado acima.
The God of Small Things, da grande Arundhati Roy, é uma jóia literária rara. Destas que já nascem clássicas. Além do esmero em relevar a importância das "coisinhas" que parecem sem importância e que podem mudar o curso da vida, a ativista indiana mostra muito bem o caldeirão de diferenças profundas que emprisionam e limitam os horizontes dos indianos.
A mentalidade dos indianos das grandes cidades evoluiu bastante nos últimos trinta anos, mas a modernidade física e econômica dos grandes centros urbanos empresariais e financeiros não se estende ao território nacional. Cada um conserva sua rixas sociais e religiosas ancestrais e há uma defasagem enorme entre o interior e as capitais. E apesar dos filmes bolywoodianos, não há uma cultura comum como a nossa.
Modi tinha um ano quando Nehru foi eleito. A eleição de 2014 que o levou ao poder é a décima sexta da história da Índia e a juventude que votou nele é desmemoriada, como parte da nossa "saudosista" de um período ditatorial tão letal ao Brasil em aspectos humanos e sociais.
As redes sociais foram preponderantes no voto desta juventude que aposta na teoria desintregrante de ideais fascistas como locomotiva de desenvolvimento e abundância.

Já falei por alto sobre a Índia em um blog sobre hidropolítica (26/09/2010) que aborda suas relações com os países vizinhos. E os jornais já cansaram de falar sobre as facetas negativas (o absolutismo religioso visceral) e positivas (a incorruptibilidade, passada, de Modi, apesar da campanha milionária financiada por... - o futuro dirá se fará a limpeza necessária na sociedade gangrenada).
Mas eu fiz questão de marcar a data deste evento inusitado - um fascista confirmado e declarado, porém escolhido para governar a maior democracia do mundo civilizado - porque acho que de tirando a questão Palestina, a curto, médio e longo prazo, geopoliticamente, a ascensão de Modi é uma bomba relógio que pode explodir a qualquer momento.
Modi começou a se interessar pelo RSS quando tinha 8 anos, quando entrou em um shakhas em Vadnagar. Foi lá que conheceu seu guru Lakshmanrao Inamdar, conhecido como Vakil Saheb. Modi não é fascista improvisado nem cooptado. É um fascista criado no fascismo, literalmente. Ele chegou ao alto da escada porque seu guru, Inamdar, o apresentou a Vasant Gajendragadkar e Nathalal Jaghda do BJP, líderes políticos proeminentes em Gujarat, responsáveis pela União do estado em 1980.
Seu casamento, como é de praxe na Índia, foi combinado cedo, quando ele tinha 13 anos, com uma menina da mesma casta Ghanchi. O casamento durou pouco por causa de seu espírito andarilho. O casal separou-se, mas o casamento não foi desfeito. Sem mulher e sem filhos, não "precisava" corromper-se (pois os corruptos e corruptores da Índia, como alhures, gostam de usar a família para "justificar" sua desonestidade).
Após a guerra com o Paquistão em 1971, a então primeira ministra Indira Ghandi fez um limpa na política em 1975 declarando Estado de Emergência e perseguindo seus oponentes. Aos 25 anos Modi entrou na clandestinidade e expandiu sua rede de relacionamentos.
Apesar de ter "infiltrado" o BGP por determinação do RSS em 1985 e ocupar o cargo de organizador do partido já em 1988, ele só chamou minha atenção mesmo em 1991. É de lá para cá que tenho seguido sua carreira porque vi quão envolvente e perigoso ele era para a Índia e para os países vizinhos.
Isto ficou claro que ele preparou a Ekta yatra (Jornada da Unidade) com uma eficiência meticulosa e tentacular. Daí por diante foi figura de proa na vitória do partido nas eleições estaduais em 1995, quando foi empossado na direção do partido e sua carreira estadual e nacional deslanchou rapidinho por ter sido enviado a Haryana e Himachal Pradesh, onde aumentou seus horizontes regionais e diminuiu ainda mais sua mentalidade.
Daí para virar Secretário Geral do BJP em maio de 1998 foi um pulo.
Eu raramente concordo com os diplomatas estadunidenses, mas sou obrigada a concordar com um deles que descreveu Modi como "insular, distrustful person who reigns by fear and intimidation".
Se tivesse de descrever a carreira de Modi só acrescentaria que ele não tem nada a perder. Nunca teve. E isto faz dele uma pessoa sem freios.
Ele é temerário e temido. Teceu sua rede de influência com linhas de pesca mistas incolores, de filamentos resistentes, firmes, invisíveis, da qual desvencilhar-se é missão quase impossível.
Ele lembra o primeiro ministro israelense Binyamin Netanyahu. A mesma dissimulação. A mesma ideia inabalável de ser de uma religião superior às demais. O mesmo desprezo por quem pensa diferente. O mesmo descaso pela opinião alheira. A mesma certeza de ter razão qualquer que seja seu erro. A mesma arrogância. O mesmo sorriso sarcástico quando os holofotes estão apagados.
Hitler inspira as ações execráveis de Netanyahu na ocupação e limpeza étnica da Palestina.
Hitler é o ídolo de Modi.
Mein Kampf é um livro reverenciado por indianos influentes e por muitos estudantes com futuro brilhante. Um escândalo.
Modi não foi eleito pela massa ignorante majoritária de classe baixa. Enfim, foi em termos. De voto induzido por promessas de investimento em estrutura básica, ensino, enfim, de melhora das condições de vida dos miseráveis que inundam a nação.
Modi foi eleito pelo capital dos 1%. Pela elite empresarial hindu tradicionalista.
Sua eleição substitui no imaginário indiano a figura pacifista humilde de Mahatma Gandhi pela figura altiva de Vivekanand. Hindu do século XIX obcecado em transformar seu país em uma "manly nation". Modi adotou até seu estilo vestimentário, que os ingleses chamam de dandyish pastel waistcoats.
Porte ilustre quando quando está na companhia da elite que o ajudou a chegar ao cime. Diante das massas, muda de pele como os camaleões e representa o papel convincente do comerciante de chá simples que "desafia as dinastias socio-políticas tradicionais que exploram os pobres".
Disfarces. Populismo nacionalista tacanha.
Ele está mais para Vivekanand e a ideologia do super-homem do Nietszche que inspirou Hitler do que para Madre Thereza que na miséria de Calcutta acudiu hindus, muçulmanos e siks indiscriminadamente.
Modi é dissimulado em todos os planos, até em sua relação com a imprensa. Basta ler os jornais indianos para ver o controle dos patrões (do círculo fechado dos 1%) sobre os artigos publicados. Vozes de jornalistas dissidentes têm sido caladas com ameaças de desemprego e coisas mais ou simplesmente removidas de cara. Ora, democracia tem limite! Neste caso de Modi, curtíssimos.
Embora Arun Jaitley, um dos líderes do BJP e ministro potencial de Modi, tenha mandado um recado para Obama "to see his party's anti-Muslim rhetoric as "opportunistic", a mere "talking point" and to take more seriously his own professional and emotional links with the US".
Palaras. Palavras. Os atos já foram comprovados e virar a casaca não é mudá-la.
Pela pirmeira vez na História o Primeiro Ministro do Paquistão estará presente à posse de um Primeiro Ministro da Índia. E depois os dois homens vão conversar de portas fechadas.
Portanto, saber-se-á logo se Modi pretende enfrentar ou conciliar com o vizinho.
Quanto às oligarquias milionárias que controlam as finanças indianas, são todas estreitamente ligadas a Wall Street e consideram Nova York sua segunda  e às vezes primeira casa.
Com o apoio delas Modi já ganhou e só tem a ganhar ainda mais se continuar servindo seus interesses. A Índia, só Deus sabe. As minorias devem ser prejudicadas.
Enquanto a elite hindu estiver de braços dados com Washington, os cristãos vão estar ao abrigo de ataques extremistas, pelo menos os organizados. Mas a caça às bruxas quando começa vira bola de neve, como se sabe.
Resta esperar que Narendra Modi troque de casaca para uma mais tolerante e moderna. Não custa sonhar.


Retrato de Modi por Phoebe Greenwood, The GuardianLink to video: Who is Narendra Modi?

Arundhati Roy define Narendra Modi (6')
Arundhati Roy explains why India is a corporate Hindu State (10')

Documentário indiano de Sanjay Kak
Mati Ke Laal - Red and Dream (1h60') 

Documentário indiano de Rakesh Sharma
Final Solution (2h30)



domingo, 18 de maio de 2014

Israel vs Palestina: História de um conflito LV bis Guerra do Líbano 1 (07/08 2006)


Na história do Oriente Médio, a dita Segunda Guerra do Líbano, é a de 2006. Esta durou 34 dias.
Ela ficaria para a história como uma das ou da maior derrota da ultra-tecnologia bélica das Forças Armadas de Israel contra a guerrilha artesanal do Hezbollah do Líbano.
Na verdade, quase todas as "vitórias" de Israel na Palestina e no Líbano foram derrotas. A única vitória, ou seja, a da qual Israel colheu frutos geográficos que lhe custam caro, é a da famigerada Guerra dos Seis Dias que valeu a ocupação progressiva e inclemente da Palestina. E esta foi ganha pela França, Inglaterra e Estados Unidos, e não pela IDF. Portanto, Israel está longe de ter Forças Armadas infalíveis.
(Aliás, não me lembro de nenhuma guerra, em nenhum lugar do mundo, em que uma das partes possa cantar vitória rindo, nem o "vencedor" reconhecido. Guerra é sempre uma derrota para todas as partes envolvidas. É uma derrota humana, da civilização inteira).
Para relatar esta guerra de 2006 no Líbano tenho de puxar a memória das precedentes (do meu tempo) a fim de esclarecer os papeis e as razões do Hizbollah e da IDF e que estas sejam proporcionalmente avaliadas.
Na versão dos comunicados de imprensa israelo-estadunidenses, esta chamada Segunda Guerra do Líbano começou no dia 12 de julho em retaliação à ousadia do Hezbollah de jogar mísseis esporádicos no norte de Israel e de matar e sequestrar soldados da IDF além das fronteiras libanesas. Uma afronta pública que tinha de ser lavada com sangue. Ao ver de George W. Bush, Ehud Olmert e de seus generais.
Só que fazia meses que o Hizbollah dizia que capturaria soldados israelenses quando tivesse oportunidade e estava se preparando para esta missão tida pela IDF como "impossível". Tão "impossível" que foi possível graças ao excesso de confiança que levou ao laxismo no terreno.
E por que o Hizbollah cutucou Israel com vara curta, sabendo do ódio e da potência bélica do inimigo?
Vamos por etapas. Para entender o que motiva o Hizbollah temos de dar pulinhos pontuais no passado.
Para começar, uma palavrinha rápida sobre este partido até Hassan Nasrallah começar a chefiá-lo.


O que é hoje um partido politicamente constituído e representado democraticamente no Parlamento libanês, começou como uma rede clandestina de resistência à ocupação israelense na Guerra de 1982, até 2000.

Embora nos últimos 15 anos tenha desenvolvido alas políticas e sociais públicas, o Hizbollah conservou sua estrutura clandestina e uma exímia disciplina combatente de guerrilha. Seus membros são formados com rigor  e comprometimento com as causas que o partido defende, coml análise profunda e atualizada da estratégia do inimigo.
Uma destas causas é a solidariedade com os vizinhos palestinos - o Hezbollah se compromete a lutar enquanto Israel ocupar a Palestina civil e militarmente, embora não seja diretamente ligado nem ao Fatah nem ao Hamas.

O outro envolve o próprio Líbano. O partido luta pela reconquista das Fazendas de Sheba'a, em árabe, Mazāri‘ Shib‘ā, que Isarel invadiu em 1967 e ocupa desde 2000.
As Fazendas de Shebaa constituem uma faixa de terras fertéis próxima da fronteira entre Síria, Líbano, Israel, que era ocupada por 14 fazendas libanesas. Hoje é um no man's land entre Israel e o Líbano. A área de litígio mede 14 quilômetros de comprimento por 2,5 quilômetros de largura, em um total de 35 km².
Para nós brasileiros que temos um país de mais de 8 milhões e 500 mil km² tal extensão de terra não representa grande coisa.
Mas para um país que só mede 10.400 km² como é o caso do Líbano, conta muito; sobretudo quando são terras naturalmente cultiváveis; por lá, jóia rara.
Além disso, pertence ao Líbano desde antes da independência. Como os Golã pertencem à Síria. Como a Cisjordânia e a Faixa de Gaza pertencem aos palestinos nas fronteiras de 1967.
É questão de geografia, e de justiça, já que as anexações israelenses acima ditas não são reconhecidas pelas Nações Unidas a despeito do labor dos Estados Unidos.


Além da questão geopolítica há a questão religiosa. Nesta área fica o Monte Hermon, "Montanha Sagrada" em árabe, que funde-se às Colinas de Golã. Este monte é sagrado para os cristãos libaneses, sírios, palestinos e do mundo inteiro. Pois é o conhecido biblicamente como o Monte da Transfiguração. Foi nele que Jesus subiu em suas peregrinações já quando estava sendo caçado pelo Sinédrio e foi no cimo do monte Hermon que Deus dirigiu-se ao Filho em forma fulgurante e em voz tonitruante - como revelam os Evangelhos de Matheus (17.1), Marcos (9.2) e Lucas (9.28), que nós católicos conhecemos de ouvido no catecismo e que os protestantes conhecem na ponta da língua.

Israel, com o oportunismo financeiro-invasivo de sempre, o transformou em estação "nacionalé" de esqui.
(O Monte Hérmon e as Colinas de Golã, anexados por Israel em 1981. Lá a população síria ficou submetida à administração israelense a despeito da Resolução 497 da ONU que reafirmou a inadmissibilidade de território pela força. Em 2008, em sessão plenária, a ONU aprovaria por 161 votos favoráveis e 1 contra (quem seria?) uma moção de apoio à Resolução 497 do Conselho de Segurança. Em vão. Israel, em 2014, continua ocupando os Golã sem nenhuma mudança, a não ser de maior vigilância,e sem nenhuma sanção.
Mais um exemplo da Des/Ordem mundial dos Dois pesos e Duas medidas que abalam o mundo.)

Voltando ao Hizbollah, na década de 80 levou chumbo pesado durante a Primeira Guerra de Israel no Líbano e a ocupação interminável. Aprendeu com os erros, estudou minuciosamente as táticas de combate de Israel na Palestina, as dos Estados Unidos no Iraque, e modernizou-as para poder combatê-las com menos dificuldade.
Ilustrou-se muito no assunto e aperfeiçoou suas técnicas se informando à risca sobre a estratégia do inimigo. Estudo possível através do estudo de combates prévios, como já disse, e sobretudo às "cartilhas" que a IDF distribui aos recrutas durante o treinamento e ao longo dos três anos de serviço militar obrigatório aos israelenses de confissão judia.
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O Hizbollah tem um líder. Ele se chama Hassan Nasrallah, é libanês, de confissão islamita xiita, formado em teologia islâmica, que ascendeu à chefia da organização então clandestina quando Israel assassinou o então líder Abbas al-Musawi, em 1992.
Nasrallah é um intelectual com simpatias iranianas que não hesitou a sujar as mãos com armas e sangue porque acha que "If we are to expel the Israeli occupation from our country, how do we do this? We noticed what happened in Palestine, in the West Bank, in the Gaza Strip, in the Golan, in the Sinai. We reached a conclusion that we cannot rely on the Arab League states, nor on the United Nations .... The only way that we have is to take up arms and fight the occupation forces."

Foi Nazrallah que estruturou o Hezbollah e adquiriu no Irã foguetes mais potentes que alcancem Israel.

Quando o governo israelense deu-se conta que assassinara Musawi para trocá-lo por um antagonista ainda mais bem preparado (como é sempre o caso na Palestina, já que a memória é passada de pai pra filho + o que o filho aprende e vivencia) era tarde demais, mas tentou corrigir o tiro com artilharia pesada lançando em 1993 uma de suas inúmeras operações militares.
Israel chamou essa "safra" de chumbo Operation Accountability. No terreno, foi uma sucessão de bombardeios à distância no intuito de deslocalizar os refugiados palestinos no intuito de forçar o governo do Líbano a tomar providências em um sentido favorável a Israel contra o Hizbollah.
Para isso a IDF mobilizou navios de guerra e aviões de combate que martelaram o sul do Líbano sem piedade enquanto a infantaria esperava nas paragens.
Antes de bombardear as cidades, usavam a rádio da SLA (milícia libanesa dissidente explicada abaixo) para "aconselhar" os civis a abandonarem determinadas cidades deixando tudo para trás - um gesto humano magnânime, ao ver de Olmert e seus generais - e logo depois da mensagem, miraram e os mísseis choveram em ruas e casas.
A Operação Accountability só durou um fim-de-semana. Foi o bastante para destruir milhares de casas e prédios públicos e comerciais, deixar 300 mil civis desabrigados e encher os subúrbios de Beirute de refugiados.
A IDF destruiu também muita infraestrutra pública libanesa, tais como centrais elétricas, pontes, estradas, e foi acusada pelas ONGs de Direitos Humanos de pouco, e em alguns lugares, nenhum esforço para minimizar perdas civis.
Uma semana mais tarde houve um Acordo de Paz verbal.
A Global Security, organização baseada nos Estados Unidos com pretensão de emitir opinião neutra, publicou que "An oral agreement was reached whereby Israel agreed to refrain from attacking civilian targets in Lebanon while the Hizballah pledged to stop firing rockets into northern Israel."
O Acordo duraria pouco.

Em 1996 Israel serviria ao Líbano dose décupla na Operation Grapes of Wrath, que os libaneses chamam de Guerra de Abril. As "hostilidades" duraram do dia 11 ao dia 27 deste mês, que normalmente, lá no Oriente Médio, é primaveril.
Desta vez a mobilização bélica israelense foi maior ainda. A IDF procedeu a 1.100 bombardeios e gastou 25.000 balas.
O Hizbollah lançou 639 foguetes no norte de Israel que cairam na maioria perto ou dentro de Kiryat Shemona.
No dia 27 as partes concordaram em um novo acordo de cessar-fogo que bania ataques a civis.
O balanço das duas semanas de conflito foi alto. A artilharia aérea israelense deu baco de 170 libaneses e feriu 350 gravemente. O Hezbollah, com seus meios precários, feriu 62 civis israelenses.
Além dos danos humanos, a IDF causou danos significantes na infraestrutura libanesa recém-consertada. Segundo a ONG Human Rights Watch, 2018 casas e prédios foram reduzidos a escombros.
Os prejuízos econômicos libaneses foram estimados a US$140 milhões em reconstrução, US$30 milhões em assistência aos desabrigados, US$260 milhões em perda de negócios e US$ 70 milhões no atraso de projetos econômicos.
Israel disse que também tinha sofrido muito prejuízo. Divulgou cifra de US$53 milhões. US$7 milhões em perda dita direta e US$13 milhões em perda indireta; esta, em turismo. Pois como se sabe, é Israel que lucra com o turismo cristão na Palestina.
As hostilidades armadas terminaram, mas a hostilidade política continuou prolíxa em Tel Aviv. O então Primeiro Ministro lobo em pele de ovelha Shimon Peres montou uma campanha de desinformação intensa para persuadir os libaneses que a "punição" que haviam sofrido fora provocada pela presença e atividades anti-IDF constantes do Hezbollah. Portanto, disse o loroteiro, bastava que o Líbano o repudiasse para que as punições parassem.
Foi eloquente, mas pouco convincente; a não ser em Israel e nos Estados Unidos.
Ora, o Líbano de 1996 não era o de 1982 com mílicias cristãs-extremistas formadas em Israel para matar palestinos, como em Sabra e Shatila. Este Líbano era de libaneses que haviam investido em reconciliação e além disso o Hizbollah de 1996 não era o mesmo da década antecedente. Já era um partido com corpo social e político ativo no país e integrado na classe política. Por isso, esta, em conjunto, foi solidária aos compatriotas demonizados fora de suas fronteiras graças à contra-informação gerada pelos serviços de comunicação israelo-estadunidenses.
No final das contas, o Acordo que o Líbano assinou com Israel, Estados Unidos, França e Síria, além de descartar o desmantelamento do Hizbollah, especificava permissão que este partido continuasse suas atividades militares contra a IDF em território nacional. Ou seja, dentro do Líbano, que ao contrário da Palestina, é um Estado soberano reconhecido e mais ou menos protegido pelas leis internacionais, graças aos milhares de descendentes de imigrantes libaneses influentes espalhados pela Europa e Américas do Norte e Latina.

Depois disso o debate em Israel sobre a presença militar israelense no sul do Líbano ficou mais acirrado, já que estava claro que nenhuma "security zone" impediria o Hizbollah de lançar foguete do outro lado da fronteira sem querer parar por espontânea vontade.
Zona de segurança só é possível com justiça, diziam os libaneses.
Alguns deputados do Knesset argumentavam inclusive que o conflito só terminaria se Israel se retirasse do sul do Líbano e largasse a SLA-South Lebanon Army - milícia libanesa violentíssima dissidente do Exército nacional e "apoiada" por Israel para combater o Hizbollah e perseguir os refugiados palestinos no Líbano. "Quase" um braço armado de Israel no país vizinho.
Em 2000, Ehud Barak, recém eleito com uma das promessas de retirar-se do Líbano teve de cumpri-la. Retirou-se e deixou os para-militares da carniceira SLA ao Deus dará. Muitos destes pseudo-cristãos fugiram para Israel, outros para a Europa, e os que não conseguiram escapar foram presos pelo Hizbollah e julgados em Beirute por traição à pátria.
Pois do ano 1985 ao ano 2000, o forte de al-Khiyam (construído pelos franceses durante a colonização do Líbano e posteriormente transformado em base do Exército do Líbano) fora ocupado pelos israelenses. E a IDF o transformou em presídio político-militar "clandestino" e um centro de tortura dirigido pela SLA. Nesse período milhares de prisioneiros libaneses e palestinos foram detidos e torturados em suas masmorras sem julgamento e sem que o mundo desse um pio - só Israel e seu padrinho conheciam oficialmente sua existência e exatamente a que servia.
Após ser repetidamente denunciado através da mídia independente, o CICR (Comitê Internacional da Cruz Vermelha) conseguiu autorização de visitar os maltratados prisioneiros. Embora Israel tenha negado envolvimento no funcionamento da prisão ilegal, as ONGs de Direitos Humanos não têm nenhuma dúvida da participação da IDF no que acontecia atrás dos muros.

Eis um dos depoimentos menos chocantes de um dos palestinos presos: “I was held in this room, a 1m x 1m cement block, for 2 months. They’d put a bag over my head and leave me in this concrete cell day and night, with a bucket for a toilet. The soldiers would bang the metal door with metal rods ever so often. I wasn’t allowed out of this cell for 2 months; no exercise, no fresh air.”

I was a prisoner here [at the prison] for 4 years. I was released on ‘Liberation Day’.” On 25 May, 2000, with the expulsion of occupying Israeli forces–and with them the slinking away of SLA prison guards–prisoners were set free. 
In 2006, the Israelis bombed Khiam heavily, for revenge, to destroy this symbol and real history of the power of the resistance. They were pissed off at their 2000 expulsion. The bombing [2006, Lebanon Second War] destroyed many of the complex’s buildings and killed 4 UNIFIL posted at Khiam who right up until their deaths had been pleading for the IOF to stop bombing."
Mostrando um poste, ele contou: "They strapped me to this pole from 8pm to 2 am every night for 8 months. While I was locked to this pole, they beat me with a whip and batons all over…on my back, my shoulders, my legs… After that, from 2 am they’d take me to another room, where another 6 prisoners were and start shocking us. I was tortured by my own pain and that of my cellmates (hearing the screaming of other inmates is yet another form of psychological terror).”
Israel era a eminência parda. Quem pagou o pato foi o SLA e os membros de sua milícia que foram detidos e julgados por seus crimes.
Trocando em miúdos, em 2000 a IDF bateu em retidada deixando o Líbano com passos de derrota. A vitória acabou sendo creditada a Nazrallah, sua popularidade cresceu e ele virou um político com quem Israel teria de negociar em 2004 uma troca de prisioneiros que ficaria na história - para recuperar os corpos de três soldados, Israel teve de libertar 400 prisioneiros políticos palestinos, 30 libaneses, e entregar os corpos de 59 libaneses mortos em combate.
Antes disso, logo após a declaração oficial de paz no ano 2000, os Estados Unidos aprovaram o presente de 30 bilhões de dólares a Israel para a aquisição de anti-mísseis para bloquear os ataques do Hezbollah e estes funcionaram como o previsto no alto valor investido.
Por que o Hezbollah continuou a atacar Israel apesar de ter prometido o contrário? Seria o teólogo que os liderava tão mendaz quanto os generais primeiros-ministros do inimigo vizinho?
Acontece que como vimos acima o general primeiro ministro Ehud Barak bateu em retirada como prometera (os palestinos é que pagaram o pato desta humilhação pública com a "visita" intempestiva de Sharon à Esplanada da mesquita Al-Aqsa que gerou a Segunda Intifada e a repressão draconiana da IDF), mas Barak e seu sucessor Ariel Sharon ficaram com as Fazendas de Shebaa. Contrariaram as leis internacionais de fronteira e a vontade do Líbano. As instâncias jurídicas internacionais não tomaram providência nenhuma para impor o respeito das fronteiras vizinhas.
Portanto, ao ver do Hizbollah, que ocupou al-Khyiam e transformou o forte-prisão em quartel general, Israel faltou com a palavra desde o início.

Esta era a situação em 2006 quando o Hizbollah, em uma operação guerrilheira oportunista, vexou a poderosa IDF e o padrinho gringo que a alimenta com armas super-poderosas, mostrando quão vulneráveis eram as fronteiras que os separam e dividem.
A resposta da IDF estava sendo preparada há meses junto com os Estados Unidos.
Ou melhor, não a resposta, pois ficaram surpreendidos com a audácia do inimigo, e sim o ataque ao Hezbollah. A resposta propriamente dita foi improvisada, apesar de toda a parafernália tecnológica militar utilizada.
A chamada Segunda Guerra do Líbano seria uma verdadeira vitória do pequeno Golias contra o gigante David e seus meios traiçoeiros como a do conto invertido.
Em Israel, 44 civis perderiam a vida. Declarados, mas apenas 26 deles foram realmente lamentados nos gabinetes ministeriais e no do Primeiro Ministro - 18 dos mortos eram cidadãos-israelenses palestinos de descendência ou de nascença. Veremos as razões de eles terem sido tão atingidos e os detalhes da derrota da IDF no próximo capítulo.
Vou concluir este explicando como Golias conseguiu vencer o ultra-equipado David com trabalho de formiga e raciocínio.

Como disse acima, fazia anos que o Hizbollah aprendera a lição do passado e há anos vinha se preparando para enfrentar os futuros ataques da IDF, cujos meios sabiam ser a anos luz dos que dispunha. Os meios do Hizbollah foram os de guerrilha e de Inteligência.
Isto apesar da ofensiva israelense ter pego o Hizbollah de surpresa, mesmo.
Ao contrário do que Israel e os EUA afirmariam posteriormente para justificar a derrota vergonhosa à imprensa, a reação de Israel e a Guerra pegaram o Hezbollah totalmente desprevenido.
Digo isto com certeza porque apesar de vir desenvolvendo há anos um sistema de defesa e contra-ataque guerrilheiro, o Hizbollah jamais provocaria uma guerra no verão. Jamais.
Por uma razão pragmática simples. O verão é a estação do ano em que as famílias emigrantes visitam seus familiares no Líbano, tanto os cristãos quanto os muçulmanos. E as famílias xiitas, no caso específico do Hizbollah, chegam dos países milionários do Golfo com bastante dinheiro para gastar em sua comunidade; divisas bem-vindas no Líbano e utilíssimas ao Hizbollah propriamente dito.
Outra afirmação falsa é do Hizbollah ter agido em coordenação com o Hamas. De jeito nenhum.
O Hamas também foi pego de surpresa com o conflito bélico no Líbano e embora sua direção tenha declarado apoio ao Hizbollah, por razões óbvias, o descontentamento na Palestina era evidente. Pois Israel aproveitou que as atenções fossem desviadas para bombardear a Faixa de Gaza intermitentemente durante todo o período em que guerreava no Líbano matando muitos civis e resistentes sem nenhuma cobertura da mídia internacional. Aliás, há um ditado que nunca deixa de ter e fazer sentido para os jornalistas que cobrem o Oriente Médio: "When the Middle East burns, the Palestinians are forgotten". É o caso sempre.
Voltando ao Hizbollah, Nasrallah vivia ameaçando capturar soldados inimigos porque não engolira o sapo de Ariel Sharon não ter cumprido a palavra de libertar os outros prisioneiros conforme havia prometido.
Mas nem Nasrallah sabia muito bem como conseguir seu intento. A prisão dos soldados israelenses foi uma operação 100% improvisada porque os soldados em questão estavam dando sopa demais, a displicência do grupo era quase um acinte. Os vigias do Hizbollah no local aceitaram o desafio, atravessaram a "dead zone" que os separavam e os capturaram com facilidade.


Na verdade, a captura dos soldados israelenses no dia 12 de junlho foram de uma facilidade infantil.
Veja só.
"Parece que" os tais soldados violaram procedimentos operacionais básicos deixando seus veículos à vista. E fizeram isto fora de contato com escalões superiores e fora da zona de proteção da brigada na qual serviam. Ao se darem conta da mancada, segundo o jornal israelense Ha'aretz, “A force of tanks and armored personnel carriers was immediately sent into Lebanon in hot pursuit. It was during this pursuit, at about 11am … [a] Merkava tank drove over a powerful bomb, containing an estimated 200 to 300 kilograms of explosives, about 70 meters north of the border fence. The tank was almost completely destroyed, and all four crew members were killed instantly. Over the next several hours, IDF soldiers waged a fierce fight against Hezbollah gunmen … During the course of this battle, at about 3pm, another soldier was killed and two were lightly wounded.”
Haveria uma investigação secreta. Porém, de fato a captura e a morte dos soldados da IDF aconteceram mais por causa de uma série de foras de militares negligentes que estavam para terminar seu serviço obrigatório na região (e talvez confiantes demais ao ponto de menosprezarem procedimentos correntes) do que por exímia ação militar do Hezbollah. Tanto que, apesar de aprovada, a captura dos soldados foi mesmo improvisada.
Na operação de captura dos soldados, o Hizbollah matou três, feriu dois, e capturou dois. Os outros cinco que morreram foi quando um comandante da IDF, embaraçado com o vexame da captura dos compatriotas subalternos em suas barbas, ordenou que veículos armados perseguissem os capturados para resgatá-los como se fossem buscá-los em Tel Aviv e não além da fronteira em terreno minado.
Os Merkava em questão encontraram-se sobre uma rede de minas anti-tanques e foram destruídos por um sistema de defesa e não por um ataque.
Foi por isso também que nem Nasrallah nem o Irã (que concordou com a operação relâmpago estratégica) esperavam a reação desproporcional do inimigo. Os operacionais do Hezbollah haviam respeitado as ordens de não matar ninguém e seu chefe só esperava com a operação obter margem de manobra para negociar a libertação dos companheiros presos em Israel.
Mas Nasrallah não contava com o orgulho ferido. Um dos maiores crimes que se pode cometer contra Israel (e os Estados Unidos) é confrontá-lo à incompetência e à fragilidade de sua Inteligência e aos seus calcanhares de Aquiles. (Putin sabe disso e está pagando o pato feio).
Na época, houve um rebuliço em Tel Aviv? "How can an IDF unit wander so close to the border without being covered by fire and leave itself open to a Hezbollah attack?" Isto seria descoberto e devidamente encoberto longe do campo de batalha.
No terreno, o Hezbollah pôs-se em estado de alerta e endureceu seu sistema de defesa edificado na surdina em seis anos de trabalho diligente, de formiga.
Estes sistema consistia de vários bunkers fortificados desenhados e construídos por engenheiros do Hezbollah. Alguns poucos equipados até com ar-condicionado. O processo de escavação e fabricação do arsenal fora meticulosamente preparada por seu serviço de Inteligência que previu espionagem insidiosa da qual os palestinos tanto sofrem - a do companheiro forçado por Israel a espionar, o dedo-duro por chantagem.
Alguns bunkers foram erguidos à vista, como chamarizes. Outros tinham entradas visíveis. Mas a maior parte estava escondida.
Os bunkers mais importantes, os de estocagem de munição e armas, foram cavados nos rochedos com 40 metros de profundidade. Cerca de 600 bunkers de armamentos estavam situados estrategicamente na região sul da Litania.
Por questões de segurança, nenhum dos comandantes sabia da localização dos outros bunkers.
E um batalhão só tinha acesso a três bunkers - um de munição e dois de reservas, provisões, caso o primeiro fosse destruído.
Localidades de apoio também foram designadas a unidades de combate distintas - a tarefa destas era de armar e lutar em áreas de combate específicas.
Durante a investida israelense, os protocolos de segurança seriam seguidos à risca e mantidos com a disciplina prevista.
Nenhum membro do Hezbollah, nem os mais graduados, tinha conhecimento da estrutura global dos bunkers.
Por isto, nem o Mossad nem a CIA conseguiram esfacelar a rede de combate do Hezbollah com ajuda de informantes, como fazem na Palestina em toda operação terrorista de assassinato e em suas inúmeras investidas.

 A guerra de guerrilha do Hizbollah inspirou-se também na luta dos vietcongs contra os Estados Unidos na chamada guerra do Vietnã na década de 60 usando túneis autosuficientes próximos dos rios, como mostram as imagens ao lado - que deveriam estar juxtapostas para o quadro ficar claro.

Trocando em miúdos, a chamada Segunda Guerra do Líbano que se iniciava seria entre o 4° Exército do planeta Terra e o de um "paisinho". Entre, de um lado, 60 mil soldados da ativa e reservistas que atacavam sem saber porquê nem onde e paulatinamente exauridos de convicção e víveres e de outro lado uma rede de centenas de para-militares treinados que defendiam suas convicções e sabiam perfeitamente o porquê e pelo quê estavam lutando. Libaneses treinados e resistentes improvisados prontos a dar e derramar sangue para defender seu país de mais uma invasão que pudesse durar anos.
A derrota de Israel estava escrita. Só em Washington e em Tel Aviv não viam.

"Pity the nation that acclaims the bully as hero, and that deems the glittering conqueror bountiful." Gibran Khalil Gibran

Deputado britânico George Galloway enfrenta uma jornalista pro-israelense

"As in 1982, the present operation, too, was planned and is being carried out in full coordination with the United States. The real aim [of Israel] is to change the regime in Lebanon and to install a puppet government. That was the aim of Ariel sharon's invasion of Lebanon in 1982. It failed. But Sharon and his pupils in the military and political leadership have never really given up on it.
And then, there is no doubt that it is coordinated with a part of the Lebanese elite.    
That's the main thing. Everything else is noise and propaganda.
On the eve of the 1982 invasion, Secretary of State Alexander Haig told Ariel Sharon that, before starting it, it was necessary to have a "clear provocation", which would be accepted by the world.
The provocation indeed took place - exactly at the appropriate time - when Abu-Nidal's terror gang tried to assassinate the Israeli ambassador in London. This had no connection with Lebanon, and even less with the PLO (the enemy of Abu-Nidal), but it served its purpose.
This time, the necessary provocation has been provided by the capture of the two Israeli soldiers by Hizbullah. Everyone knows that they cannot be freed except through an exchange of prisoners. But the huge military campaign that has been ready to go for months was sold to the Israeli and international public as a rescue operation.
(Strangely enough, the very same thing happened two weeks earlier in the Gaza Strip. Hamas and its partners captured a soldier, which provided the excuse for a massive operation that had been prepared for a long time and whose aim is to destroy the Palestinian government.)
The declared aim of the Lebanon operation is to push Hizbullah away from the border, so as to make it impossible for them to capture more soldiers and to launch rockets at Israeli towns. The invasion of the Gaza strip is also officially aimed at getting Ashkelon and Sderot out of the range of the Qassams.
That resembles the 1982 "Operation Peace for Gallilee". Then, the public and the Knesset were told that the aim of the war was to "push the Katyushas 40 km away from the border".
That was a deliberate lie. For 11 months before the war, not a single Katyusha rocket (nor a single shot) had been fired over the border. From the beginning, the aim of the operation was to reach Beirut and install a Quisling dictator. As I have recounted more than once, Sharon himself told me so nine months before the war, and I duly published it at the time, with his consent (but unattributed).
Of course, the present operation also has several secondary aims, which do not include the freeing of the prisoners. Everybody understands that that cannot be achieved by military means. 
But it is probably possible to destroy some of the thousands of missiles that Hizbullah has accumulated over the years. 
For this end, the army chiefs are ready to endanger the inhabitants of the Israeli towns that are exposed to the rockets. They believe that that is worthwhile, like an exchange of chess figures.
Another secondary aim is to rehabilitate the "deterrent power" of the army. That is a codeword for the restoration of the army's injured pride that has suffered a severe blow from the daring military actions of Hamas in the south and Hizbullah in the north.
Officially, the Israeli government demands that the Government of Lebanon disarm Hizbullah and remove it from the border region.
That is clearly impossible under the present Lebanese regime, a delicate fabric of ethno-religious communities. The slightest shock can bring the whole structure crashing down and throw the state into total anarchy - especially after the Americans succeeded in driving out the Syrian army, the only element that has for years provided some stability.
The idea of installing a Quisling in Lebanon is nothing new. In 1955, David Ben-Gurion proposed taking a "Christian officer" and installing him as dictator. Moshe Sharet showed that this idea was based on complete ignorance of Lebanese affairs and torpedoed it. But 27 years later, Ariel Sharon tried to put it into effect nevertheless. Bashir Gemayel was indeed installed as president, only to be murdered soon afterwards. His brother, Amin, succeeded him and signed a peace agreement with Israel, but was driven out of office. (The same brother is now publicly supporting the Israeli operation.)
The calculation now is that if the Israeli Air Force rains heavy enough blows on the Lebanese population - paralysing the sea- and airports, destroying the infrastructure, bombarding residential neighborhoods, cutting the Beirut-Damascus highroad etc. - the public will get furious with Hizbullah and pressure the Lebanese government into fulfilling Israel's demands. Since the present government cannot even dream of doing so, a dictatorship will be set up with Israel's support.
That is the military logic. I have my doubts. It can be assumed that most Lebanese will react as any other people on earth would: with fury and hatred towards the invader. That happened in 1982, when the Shiites in the south of Lebanon, until then as docile as a doormat, stood up against the Israeli occupiers and created the Hizbullah, which has become the strongest force in the country. If the Lebanese elite now becomes tainted as collaborators with Israel, it will be swept off the map. (By the way, have the Qassams and Katyushas caused the Israeli population to exert pressure on our government to give up? Quite the contrary.)
The American policy is full of contradictions. President Bush wants "regime change" in the Middle East, but the present Lebanese regime has only recently been set up by under American pressure. In the meantime, Bush has succeeded only in breaking up Iraq and causing a civil war (as foretold here). He may get the same in Lebanon, if he does not stop the Israeli army in time. Moreover, a devastating blow against Hizbullah may arouse fury not only in Iran, but also among the Shiites in Iraq, on whose support all of Bush's plans for a pro-American regime are built.
So what's the answer? Not by accident, Hizbullah has carried out its soldier-snatching raid at a time when the Palestinians are crying out for succor. The Palestinian cause is popular all over the Arab word. By showing that they are a friend in need, when all other Arabs are failing dismally, Hizbullah hopes to increase its popularity. If an Israeli-Palestinian agreement had been achieved by now, Hizbullah would be no more than a local Lebanese phenomenon, irrelevant to our situation.
Less than three months after its formation, the Olmert-Peretz government has succeeded in plunging Israel into a two-front war, whose aims are unrealistic and whose results cannot be foreseen.
If Olmert hopes to be seen as Mister Macho-Macho, a Sharon # 2, he will be disappointed. The same goes for the desperate attempts of Peretz to be taken seriously as an imposing Mister Security. Everybody understands that this campaign - both in Gaza and in Lebanon - has been planned by the army and dictated by the army. The man who makes the decisions in Israel now is Dan Halutz. It is no accident that the job in Lebanon has been turned over to the Air Force.
The public is not enthusiastic about the war. It is resigned to it, in stoic fatalism, because it is being told that there is no alternative. And indeed, who can be against it? Who does not want to liberate the "kidnapped soldiers"? Who does not want to remove the Katyushas and rehabilitate deterrence? No politician dares to criticize the operation (except the Arab MKs, who are ignored by the Jewish public). In the media, the generals reign supreme, and not only those in uniform. There is almost no former general who is not being invited by the media to comment, explain and justify, all speaking in one voice.
(As an illustration: Israel's most popular TV channel invited me to an interview about the war, after hearing that I had taken part in an anti-war demonstration. I was quite surprised. But not for long - an hour before the broadcast, an apologetic talk-show host called and said that there had been a terrible mistake - they really meant to invite Professor Shlomo Avineri, a former Director General of the Foreign Office who can be counted on to justify any act of the government, whatever it may be, in lofty academic language.)
"Inter arma silent Musae" - when the weapons speak, the muses fall silent. Or, rather: when the guns roar, the brain muses fall silent. Or, rather: when the guns roar, the brain ceases to function.
And just a small thought: when the State of Israel was founded in the middle of a cruel war, a poster was plastered on the walls: "All the country - a front! All the people - an army!"
58 Years have passed, and the same slogan is still as valid as it was then. 
What does that say about generations of statesmen and generals?
Uri Avnery, 15/07/2006