domingo, 28 de abril de 2013

Israel vs Palestina: História de um conflito XXXII (01-04 de 2003)


Em 2003, no Oriente Médio, o sangue foi derramado pela primeira vez no dia 02 de janeiro.
No sul da Faixa de Gaza, soldados mataram três meninos palestinos de 13, 14 e 15 "porque estavam caminhando perto" da colônia judia Eli Seinai, segundo o porta-voz da IDF.
No dia 04, Tony Blair, então Primeiro Ministro britânico e um dos homens que mais cutucavam Yasser Arafat, organizou uma reunião durante a qual os palestinos se comprometeram a apresentar uma nova constituição e um projeto de reforma administrativa.
No mesmo dia Amram Mitzna, candidato do Partido Trabalhista de Israel, anunciou que recusaria participar de um governo de união nacional liderado por Ariel Sharon.
Sua ameaça não soou como queria que soasse. A batalha de Sharon estava ganha.
No dia 05, dois bombas-suicidas das Brigadas dos Mártires de al-Aqsa explodiram no centro de Tel Aviv em hora de ponta.
Feriram cerca de cem passantes e levaram consigo 23 vítimas.
No dia seguinte a IDF retaliou aterrorizando os cisjordanianos com revistas de casas, violência dobrada nas barragens e na Faixa de Gaza. Onde bombardearam uma fábrica de metal e demoliram casas em Rafah.
O troco desmedido não parou lá. 
No dia 19, a IDF voltou a bombardear Gaza matando quatorze pessoas e ferindo cinco vezes mais.
Mas não bastava.
Desde 1994 que a IDF só atacava Gaza do alto. 
No dia 26, a IDF organizou a primeira operação terrestre desde essa data. Matou doze gazauís e feriu tantos e tantos.
No dia 27, Israel começou a construir o muro de separação no monte Gilboa, engolindo um pedaço da Cisjordânia.

Ariel Sharon estava dando um gostinho aos eleitores do que seria seu novo mandato, caso fosse eleito.
E foi.
No dia 28 o Likud ganhou as eleições com 37 deputados.
A derrota do Partido Trabalhista foi grave. Elegeu só 19 representantes no Knesset, perdendo 6 deputados. Até então, a pior derrota de sua história.
O partido laico Shinui ganhou 17 cadeiras. Fato inusitado.
Ariel Sharon e sua política foram sancionados sem serem de verdade. A maioria o apoiava.
O general interpretou como uma carta branca para continuar a perseguir Yasser Arafat sem conseguir esmagá-lo e a derrubar casas, desapropriar terras, erguer muros e colônias.
Para isto precisava de apoio irrestrito do Knesset e disse estar pronto a compor um governo de "união nacional".

Em fevereiro, cedendo às pressões internacionais que o sufocavam, Yasser Arafat concordou em nomear um Primeiro Ministro.
Enquanto olhava em volta para encontrar um que não o apunhalasse pelas costas, mais quatorze de seus compatriotas morreram em um bombardeio de Gaza e dezenas foram feridos.
No dia 21, Mahmud Abbas, ou melhor, Abu Mazen, braço direito de Arafat anunciou, em nome do líder, a decisão palestina de "desmilitarizar" a Intifada durante um ano.
Uma semana após esta mão estendida para a trégua que ambos os povos queriam, Ariel Sharon aliou-se ao partido nacional religioso (o outro, Shas, de judeus sefaradis, foi descartado) e à União Nacional, de extrema-direita.
Formou o governo "de união nacional" com os extremistas e passou a contar com 68 votos dos 120 parlamentares do Knesset.
A mão que Yasser Arafat estendia ficaria no ar.

No dia 03 de março, a IDF matou mais oito palestinos e feriu muitos em um bombardeio aéreo de Gaza. Apesar dos panos quentes de Arafat, o Hamas achou que trégua unilateral não levava a nada e prometeu represália.
No dia 05, um bomba-suicida explodiu um ônibus em Haifa levando consigo dezessete pessoas e deixando atrás de si cerca de quarenta feridos.
Este atentado pôs fim à trégua unilateral, de ataques dentro de Israel, que os palestinos vinham respeitando há dois meses.
No dia seguinte, a IDF retaliou bombardeando Jabalya, na Faixa de Gaza. Matou onze palestinos e atingiu dez vezes mais.
Na mesma campanha, no dia 08, o Shin Bet assassinou Ibrahim al-Maqadmeh, um dos fundadores do Hama. Em plena cidade. Seus três guarda-costas morreram com ele em Gaza onde a bomba israelense atingiu vários passantes.
No dia 16 de março, um soldado da IDF esmagou a sangue frio a ativista estadunidense Rachel Corrie, do International Solidarity Movement, em Raffah, no sul da Faixa de Gaza.
No dia 19, pressionado por todos os lados, Yasser Arafat cedeu o terreno que seus oponentes reclamavam.
Nomeou Abu Mazen, Mahmoud Abbas - numéro 2 da OLP e pragmático notório - Primeiro Ministro da Autoridade Palestina.
Porém, conservou o controle direto das forças de segurança e das finanças.
No dia 30 de março, um bomba-suicida do Jihad Islamita explodiu em um restaurante em Netaniya.
Morreu sozinho. Mas deixou cinquenta e oito feridos.
O mês terminou com mais este desastre. 

Abril passou rapidinho, nos preparativos para a investitura de Abu Mazen nas rédeas de um governo exaurido de energia e de fundos.
No dia 30, o Quarteto (Estados Unidos, Rússia, União Europeia e Nações Unidas) puseram Yasser Arafat de escanteio e reuniram Mahmoud Abbas e Ariel Sharon para entregar-lhes o Road Map for Peace (intraduzível).
Este plano de estabelecimento de um Estado Palestino compreendia três fases.
A Primeira deveria ser implementada já em maio.
Ela estabelecia que em troca do direito ao Estado, os palestinos teriam de "parar com a violência", fazer reformas políticas democráticas e organizar eleições; os israelenses teriam de retirar-se militarmente das cidades palestinas e congela as invasões judias na Faixa de Gaza e na Cisjordânia.
A Segunda, entre junho e dezembro.
Planejava: um Encontro Internacional para apoiar o restabelecimento da economia palestina e iniciar um processo que culminaria na criação de um Estado da Palestina independente com fronteiras provisórias (estas não eram mencionadas); a retomada de compromissos multilaterais sobre questões regionais, tais quais a dos recursos hídricos, meio-ambiente, desenvolvimento econômico, refugiados e controle de armas (palestinas); o restabelecimento de relações comerciais dos países árabes, interrompidas durante a Intifada.
A Terceira, entre 2004-2005.
Previa um segundo Encontro Internacional; um entendimento permanente e fim do conflito; acordo sobre as fronteiras finais; esclarecimento da controvertida questão de Jerusalém, dos refugiados palestinos e das invasões-assentamentos israelenses nos territórios ocupados; aceitação dos países árabes de pactos de paz com Israel.
Abu Mazen logo concordou com o Road Map, sonhando com o Estado Palestino e em dormir em paz; sem enxergar de imediato o "leão invisível".
Ilusões foram renovadas na Cisjordânia e na Faixa de Gaza e os palestinos antecipavam em bate-papos animados como seria viver livre e deixarem de ser apátridas em suas terras ancestrais.
Mas como veremos em seguida, o Road Map for Peace não passaria de mais uma farsa.


Reservista da IDF Shovrim Shtika - Breaking the Silence 
"We moved our company to a post inside Ramallah. It was a house of a family who stayed there as well, and we were there for two months. They stayed, they were in a room, he used to go to work at his pizzeria in Manara square every morning.
Was it open? The city was open?
The city was. It was a long period, so, even when there was a curfew, sometimes there wasn't a curfew. I remember driving the armored personnel-carrier in the heavy traffic. I would drive around Manara square and honk to the drivers to move. It was crazy.
What did we have?
We set up a post, brought beds, in his house. They lived upstairs, we lived downstairs.
They lived upstairs?
They lived up, we lived down. We were down and we had a sharpshooters' post and an observation post upstairs and across the street. Every time they wanted to go out they would knock on the door quickly and if someone heard them he would open and ask what happened, and maybe let them out and maybe not.
What do you mean, maybe let them out and maybe not?
Depends. It was the duty officer's decision on the spot. We were there a long time. I was there in that room; we were in that building."
Reservista da IDF, forças israelenses de ocupação,
Shovrim Shtika - Breaking the Silence - 1



Global BdS Movement: http://www.bdsmovement.net/

domingo, 21 de abril de 2013

Boston: "Usual suspects" errados



O atentado à bomba que sacudiu a maratona de Boston na semana passada matou três pessoas, feriu dezenas de outras e deixou milhões de pessoas com  um friozinho na barriga: "Please, God, do not let the culprit be Arab or Muslim,"  era o que se ouvia no mundo árabe.
Pois logo que a bomba explodiu, o FBI, a CIA, a imprensa mal informada, e outras pessoas mal-intencionadas logo conjeturaram em voz alta e irresponsável: "suspeita-se que seja obra de terroristas árabes, do AL-Qaeda".
Não era. 
Se os Estados Unidos e a mídia prestassem mais atenção no mundo em vez de deixarem seus preconceitos agirem como torpedo, teriam pensado nos tchetchenos.
Faz meses que venho falando neste blog da presença tchetchena em lugares que os salafistas agitam. Como na Síria, onde "rebeldes" tchetchenos com agenda integrista própria empregam violência e desrespeito do patrimônio sírio.
Desde 1994, quando começou a chamada Guerra da Tchetchênia, remo contra a maré explicando que os tchetchenos não são assim tão vítimas, e muitos me olham de cara torcida.
A campanha militar russa na Tchetchênia não foi por acaso e nem (só) para evitar o separatismo deste estado. E os tchetchenos nunca foram tão pobres coitados que foram massacrados desarmados.
Desde o começo que os Talibã lhes forneciam armamento pesado obtido dos Estados Unidos para combater quem mesmo? Os russos. Aliás, na época, "soviéticos comunistas que comiam criancinhas".
A imprensa mundial caiu matando atacando os russos pela "invasão" da Tchetchênia e a opressão dos pobres nativos.
O povo russo aplaudiu a iniciativa do general Liebed, pois conhecia este antro de bandidos.
Vladimir Putin entrou em cena, "limpou" a Tchetchênia - embora a Rússia continue sendo vítima de atentados - e estendeu a "limpeza" ao resto do Cáucaso, onde a "insurgência" também reinava.
Os "terroristas" emigraram e muitos países acolheram os "refugiados". 
Não é que todos os cidadãos do Cáucaso sejam terroristas.
Não são.
Mas grande parte cala-se, um pouco como na Sicilia.
E não quero entrar na batalha dos estados por independência. Isto é problema dos russos e são eles que têm de votar a favor ou contra, assim como nos estados onde nascem estes insurgentes. 
A faixa geográfica que os abriga é longa, íngreme e inóspita até para jornalista. Ela vai do Mar Cáspio ao Mar Negro. Para ser precisa, do Daguestão, passando por Tchetchênia, Ingushetia, norte da Ossetia-Alania, Kabardino-Balkaria até o Karachay Tcherkessia.
Uma região montanhosa dotada de beleza de tirar o fôlego, mas onde ódio e extremismo primam. 
Muitos jovens dessa região são formados fora em fábricas de terrorista espalhadas pela Terra.
A Tchetchênia é a matriz de terrorismo e tráfico. A heroina que sai do Afeganistão em caminhões lotados, quando furam o cerco iraniano, chegam nessa região.
Será que é por isso que apesar de emitirem condenações mediáticas, os países ocidentais nunca pressionaram a Rússia para que parasse de "oprimir" os "coitados" dos tchetchenos?
Será que Putin faz o trabalho sujo necessário para que a Europa não seja inundada de heroina perigosa e de terrorismo aleatório.
Quando os tchetchenos agiam só na Rússia, alguns jornalistas ousavam até dizer que era obra de Putin para culpar os tchetchenos para poder reprimir à vontade.
(O que não deixa de ser possível, mas não de maneira sistemática, pois trabalho de contra-inteligência é um mistério indecifrável) 
Porém, como todos os males vêm para bem, mesmo sentindo muito pelas famílias bostonianas que perderam parentes e amigos neste atentado da semana passada, sou obrigada a admitir que ele serviu para abrir os olhos dos Estados Unidos e do mundo para o problema do Cáucaso. E por tabela, para o problema que Bashar el-Assad está enfrentando na Síria com infiltração externa.

Aproveito a oportunidade para retraçar o que a Rússia vive há anos nas mãos de pessoas como a dupla responsável pelo atentado de Boston.
De 1994 a 2012, mais de 2500 russos perderam a vida em atentados organizados por insurgentes do Cáucaso.
Vou listar abaixo os mais falados.
Primeiro em 1995 na cidadezinha de Budyonovski. 
Um grupo de para-militares invadiu a cidade semeando pânico e no final os homens armados sequestraram o hospital. Os danos foram enormes e o resgate foi mortífero. Segundo o governo russo, 129 civis morreram, 415 foram feridos, cerca de 25 policiais e soldados russos perderam a vida na operação de resgate. 
Os danos materiais também foram imensos. Mais de 160 prédios foram destruidos. Dentre eles 54 administrativos e 110 residências. Até hoje os sobreviventes são traumatizados, como sempre acontece nesses casos.
Os policiais russos foram pegos de surpresa, eram inexperientes neste tipo de operação e entenderam que tinham de treinar e preparar-se para este tipo de combate que não dominavam.

Depois uma operação de sequestro dos insurgentes foi em janeiro de 1996 em Kizlyar. No final, 26 reféns civis foram mortos.

Em 1999, uma bomba explodiu em uma estação ferroviária lotada, na cidade de Vladikavkaz, na Assetia do norte - Alania. Resultou em 4 mortos e 17 feridos. 
No mesmo ano houve cinco atentados à bomba em Moscou e outras cidades russas. Nestes, 30 pessoas foram mortas. Dezenas tiveram membros amputados ou tiveram ferimentos mais ou menos graves.

Em outubro de 2002 aconteceu outra operação de sequestro. Desta vez em Moscou. No Teatro Dubrovka lotado. Cerca de 50 para-militares tchetchenos sequestraram o público de 850 pessoas durante dois dias e meio. No fim dos quais 40 sequestradores foram mortos junto com 130 reféns, intoxicados pelo gás utilisado na operação de resgate.

Em 2003 o atentado foi nas imediações da Praça Vermelha. Uma bomba suicida explodiu na rua Mohovaja em Moscou matando 6 pessoas e ferindo 44.

O ano de 2004 foi prolífico em atentados.
Dois em estações de metrô de Moscou, que resultaram em 170 feridos e 51 mortos; um no estádio do Dínamo de Grozny, que resultou em 56 feridos e 30 mortos; um sequestro, da escola Beslan na Ossetia, onde, dos 1100 reféns, 334 foram mortos, inclusive 186 meninos; mais dois sequestros de aviões. O primeiro, o vôo 1353 da Volga-Avia Express foi explodido no ar. Os 34 passageiros e a tripulação de nove pessoas morreram. O segundo, foi o vôo 1047 da Siberia Airlines que explodiu em agosto com 38 passageiros e 8 membros da tripulação. Os destroços foram encontrados sem nenhum sobrevivente.

Em agosto de 2006 um quilo de TNT explodiu no Mercado Tcherkizovsky, em Moscou. Treze pessoas morreram, dentre elas apenas duas eram russos, pois este mercado é bastante frequentado por comerciantes estrangeiros. 

Em 2008 foi um atentado à bomba, em um táxi que desembarcava passageiros em um mercado de Vladikavkaz, em novembro, na Ossetia do Norte. Doze pessoas morreram e 41 foram feridas.

Em 2009 houve dois atentados. 
Um em agosto, em Nazran, na maior cidade da Ingushetia. O ataque foi à Delegacia central da cidade. 25 pessoas morreram e 164 saíram feridas.
O outro foi em novembro, no trem bala Nevsky Express, que liga Moscou a São Petersburgo. A bomba fez o trem descarrilhar matando 39 passageiros e ferindo 95 - dos quais 27 morreram no mês seguinte.

Em 2010 o metrô de Moscou foi atacado. Aliás, duas estações - Lubyanka e Parque Kultury - com 40 minutos de intervalo. Nestes, houve 40 mortos e mais de cem feridos.
No mesmo ano, em março, um bomba-suicida explodiu em Kzkyar, no Daguistão, matando doze pessoas e ferindo 18.
Em setembro, o mercado central de Vladikavkaz, na Ossetia, foi atacado deixando mais de 17 pessoas e ferindo mais de 160. O mesmo mercado já fora alvo de atques em 1999 (52 mortos). 

Em 2011 os insurgentes escolheram Moscou de novo. Atacaram o Aeroporto Domodedovo em janeiro matando 37 pessoas e ferindo 173, dentre as quais algumas morreram dos ferimentos e várias perderam membros.
Em 2010 este aeroporto, localizado a 42 quilômetros do centro de Moscou é o mais usado para vôos internacionais e domésticos - cerca de 22 milhões de passageiros. Desde 2004 - quando uma mulher conseguiu embarcar com explosivos - que este aeroporto é um dos mais seguros do planeta. A polícia usa inclusive scaners corporais.

Tudo isto para dizer que o que aconteceu em Boston é uma tragédia, mas não é maior do que as que há 20 anos os russos vêm vivendo.
A não ser que a vida dos estadunidenses seja considerada mais valiosa do que a dos russos e a dos sírios.
Mas aí são outros quinhentos.
Meus pêsames a todas as famílias das vítimas da violência cega, organizada e desorganizada. As vítimas estadunidenses, russas, sírias e todas mais.
No caso do Cáucaso, dizem que a independência resolveria o problema de uma vez por todas.
Talvez. Se não criar outros. De qualquer jeito, repito que este assunto tem de ser debatido internamente e a resposta tem de respeitar a vontade popular de todos os estados que compõem a Rússia.
Estes problemas domésticos são iguais os de família. Ninguém de fora pode saber exatamente o que acontece dentro da casa e nem a dinâmica mais adequada à estabilidade de um casal. Porém, todo mundo sabe que se há de proteger os filhos. 

domingo, 14 de abril de 2013

Israel vs Palestina: História de um conflito XXXI (11/12 2002)


No dia primeiro de novembro de 2002, a ONG Human Rights Watch publicou um relatório denunciando os "crimes de guerra" dos bomba-suicidas palestinos e dos resistentes que os assistiam.
A HRW omitiu as barbaridades cometidas pela IDF e o Shin Bet nos territórios ocupados, mas a Anistia Internacional corrigiu a falha no dia 04.
Nesse ínterim, a IDF dinamitou, entre outras, duas casas de resistentes em Jenin. Deixando suas famílias desabrigadas.
No relatório da Anistia Internacional, as Forças Armadas israelenses em peso foram acusadas de crimes de guerra. Mas o documento só abordou os massacres em Nablus e Jenin, na Cisjordânia.
No mesmo dia, organizações para-militares palestinas voltaram ao ataque em Kfar Saba. Uma bomba explodiu em uma loja matando duas pessoas e deixando cerca de vinte feridos.
No dia 5, seguinte a este atentado pertinho de Tel Aviv, Israel viveu uma de suas rotinas "democráticas". Encostado na parede, Ariel Sharon anunciou a dissolução do Knesset e eleições antecipadas dentro de noventa dias.
No dia 06, um resistente matou dois colonos na invasão judia Gush Katif no sul da Faixa de Gaza e foi morto no local. Mas sua morte não bastava. Os soldados da IDF descontaram nos habitantes de Rafah. Chegaram atirando indiscriminadamente em civis, causando uma morte e ferindo mais de quinze gazauís.

No dia 10, Israel divulgou que o kibbutz Metzer, criado por imigrantes argentinos em 1953, tinha sido atacado e cinco moradores tinham sido mortos.
Informados sobre o organizador do atentado, a IDF invadiu Tulkarm, cercou a casa do suspeito Mohammed Naifeh com várias tropas, inclusive uma naval.
Encurralado, Naifeh apelou para o Tanzim (organização militar do Fatah), que por sua vez recorreu à ONG israelense B'Tselem e à Cruz Vermelha, a fim de garantir a captura de Naifeh com vida e salvaguardar sua família.
Naifeh foi preso. Mas Sirhan Sirhan, responsável direto pelo atentado, seria assassinado pelo Yamam (uma das brigadas anti-terroristas israelense) em 2003.
Nos dias seguintes, as operações militares no sul da Faixa de Gaza continuaram. Os danos materiais e humanos que os tanques da IDF deixavam eram impressionantes. As perdas, execráveis. Uma delas, a de uma criança, Hamed Asa-ad al Masri, de 3 anos.
Marwan Barghuti estava preso, mas o Tanzim continuava vigilante às incursões militares dos ocupantes.
No dia 15, resistentes desta organização do Fatah armaram uma embuscada em Hebron para a IDF e colonos judeus violentos. Mataram três civis para-militares e nove soldados que os escoltavam. Dentre eles o coronel Dror Weinberg - o oficial mais graduado a morrer durante a Intifada.
A IDF interveio no mesmo dia. Com tropas, tanques e caterpillars armados apoiados por helicópteros que atiraram aleatoriamente nas casas dos hebronitas.
Os danos materiais foram grandes. E grande também foi o número de famílias atingidas pela artilharia.

No dia 19, o general Amram Mitzna, ex-prefeito de Haifa foi escolhido para dirigir o Partido Trabalhista nas próximas eleições legislativas. Ele era chefe da ala "pombos" do partido, assim chamada por ser formada por pacifistas.
A notícia que Mitzna seria o oponente do Likud nas eleições deve ter irritado Ariel Sharon. Pois endureceu ainda mais os ataques nos territórios ocupados.
No dia 21, os feridos se amontoavam e onze palestinos, de sexo e idades variadas, jaziam mortos, sem espaço nos jornais.
Mas a mídia acordou com um bomba-suicida que explodiu em um ônibus em Jerusalém ocidental. No bairro Kiryat Menahem, na parte ocupada. De manhãzinha. O rapaz palestino levou consigo onze israelenses e feriu mais pessoas ainda.
O bomba-suicida se chamava Nael Abu Hilayel, era de Dura, a dez quilômetros de Hebron, e tinha 21 anos. Era considerado um rapaz pacato "empurrado ao extremismo pela humilhação quotidiana," alguém disse. Mas ele levou para o túmulo a razão profunda deste ato terrível.
No dia seguinte foi a vez de um membro das Brigadas Qassam cometer um ato isolado. Mas desta vez o alvo era militar. Jogou uma granada matando os três soldados que patrulhavam al-Barakah, em Dier al-Balah, no centro da Faixa de Gaza.
A retaliação da IDF foi instantânea.
Dier al-Balah foi invadida pela mesma parafernália militar de costume - tanques, caterpillars armados, tropas apoiadas pelos Apaches - para aterrorizar a cidade inteira e semear desastre. O objetivo explícito era bombardear a casa da família do suposto responsável pela morte dos três soldados.
Mas a retaliação não parou na Faixa. Estendeu-se à Cisjordânia. A Jenin, para ser precisa. Sempre visada. Desta vez, foi atacada com a mesma potência militar usada em Dier al-Balah.
Em Jenin, a IDF montou uma operação militar estrondosa para matar dois jovens que já abordamos neste blog. Imad Nastari, chefe do Jihad Islamita local, e Ala'a Sabbagh.
Ala'a era um dos "Filhos de Arna". Era o melhor amigo do único do grupo teatral que continua vivo: Zakaria Zubeidi, que com o assassinato do amigo do peito tomaria a liderança das Brigadas Al-Aqsa em Jenin.
(http://mariangelaberquo.blogspot.fr/2012/12/teatro-da-liberdade-de-jenin-lava-alma.html)

Ala'a

No dia 28, Ariel Sharon foi eleito triunfalmente para a chefia do Likud, derrotando Binyamin Netanyahu.
As celebrações não tinham acabado quando recebeu a notícia da consequência do assassinato de Imad e Ala'a. Um ataque dentro de Israel. Em Beit She'an. Cidade historicamente palestina no Vale do Jordão que abriga belos sítios arqueológicos.
Os dois resistentes morreram atirando. Levaram consigo cinco israelenses e deixaram mais de trinta feridos.
O ataque carregava um símbolo. Esta cidade foi uma das que foram "esvaziadas" da população nativa em 1948.
A cidade nova foi construída nas ruínas das casas palestinas derrubadas.
Nas ruínas de uma cidade antiga. Da época do Império Filistino na Idade do Bronze, do Ferro, até a Pentápolis filistina ser assolada.

Beit She'an, antiga Scistopolis, por volta de 1100 Antes de Cristo, foi onde os Filistinos, palestinos antigos, combateram os invasores. Foi onde mataram Saul. O rei israelita da época em que a Palestina foi invadida por ser declarada Terra Prometida dos fugitivos do Egito.
Os israelitas conquistaram Scistopolis empurrando os filistinos para as outras cidades que compunham o Império dos Filistinos: Ashkelon, Ashdod, Ekron, Gath (foto à esquerda) e Gaza. Isto aconteceu no segundo período da Idade do Ferro  que estudamos em História na escola, sem estudar este pormenor que envolve a Palestina Antiga.
Foi logo depois deste incidente que Golias, cansado de guerra e de ver seus compatriotas sendo mortos, propôs a David aquela famosa luta corporal entre os dois, no Vale de Elah (foto à direita) para definir a vitória e acabar com a guerra. O vitorioso preservaria a vida do povo do derrotado e todos viveriam em paz.
O resultado é o que se conhece. David traíra, a reza fingida, a areia nos olhos de Golias, a estilingada, a facada fatal quando Golias se encontrava caído tentando recuperar a vista. À execução de Golias seguiu o massacre dos filistinos, a pilhagem das cidades que constituíam o impérioo chamado Pentápolis, o êxodo dos sobreviventes para o que é hoje a Faixa de Gaza.
Gaza que a gazauí Dalila, mais tarde, protegeria do invasor israelita Sansão.
Mas esta é outra história, que em Hollywood virou estória contada de outra forma.
Como a de David nos é contada com ótica que transforma Golias em gigante malvado e David um belo jovem inteligente e frágil.
Voltando à vaca morta, este ataque a Beit She'an, na hora em que Ariel Sharon tinha a eleição assegurada, simbolizava a resistência e lembrava a derrota do rei Saul três mil anos atrás.
O assassinato dos dois jovens líderes e a eminência incontestada de Ariel Sharon ativou a memória da História. Lembrou os palestinos que eles já haviam sido invadidos, derrotados, ocupados, o invasor fora embora mil anos mais tarde, eles haviam recuperado seu território, o invasor voltara em 1948, voltara a ocupar seu território, a humilhá-los, mas eles continuavam lá, firmes e determinados a ficar.
A esperança é a última que morre. Diz o ditado.

Para não perder o costume, o mês de dezembro começou com uma nova incursão militar da IDF no norte da Faixa de Gaza. Noturna, como de praxe. Logo depois da oração muçulmana noturna, a população de Beit Lahya foi surpreendida com os tanques e os caterpillars que avançavam atirando, com apoio de dois Apaches.
No dia 04 Ariel Sharon, em campanha eleitoral, convocou a imprensa para botar lenha na fogueira da Intifada.
Propôs a criação do Estado Palestino, mas em uma área restrita a 40% da Cisjordânia e três quartos da Faixa de Gaza.
No mesmo dia, para mostrar que era isso ou nada, bombardeou "alvos" na Cisjordânia e prédios públicos na Faixa.
A mensagem era clara. Era ele quem mandava.
Uma das vítimas em Gaza foi Mustafá Sabbah, acusado pelo Shin Bet de ser a eminência parda dos ataques contra os tanques da IDF na Faixa.
No dia 11, soldados mataram cinco palestinos na Faixa. Tinha jornalistas nas paragens e por isto não deu para passar batido como os demais assassinatos.
Tel Aviv teve de explicar-se e o porta-voz do governo admitiu que os cinco estavam desarmados. Entretanto, argumentou que foram mortos porque estavam próximos da cerca de arame farpado que enclausura a Faixa.
Explicação que claudicava, mas não foi questionada.
Alguns dias depois, dando continuidade ao processo de destruição de propriedades, os caterpillars armados demoliram cerca de vinte casas, destruíram uma fábrica de pasteurização, oito hortas e pomares na área de Oraiba em Rafah.

No dia 20 os Estados Unidos vetaram mais um projeto de Resolução da ONU condenando Israel. Desta vez a Resolução reprovava o assassinato de vários funcionários das Nações Unidas nos territórios palestinos ocupados.
A frustração dos funcionários internacionais que trabalhavam na Cisjordânia e na Faixa de Gaza era clara, mas sua segurança continuou precária.
Nada foi feito para punir os soldados que mataram seus colegas e todos temiam que o fato se reproduzisse mais tarde.
Seria o caso.
Enquanto isso, no dia 22 a Autoridade Palestina anunciou o adiamento das eleições presidenciais e legislativas marcadas para o dia 20 de janeiro do ano seguinte. Impossíveis de serem realizadas enquanto as tropas da IDF estivessem nos campos e dentro das cidades da zona autônoma.
No dia 26, o número de palestinos mortos no mês de dezembro cresceu para 43 quando sete pessoas perderam a vida. Dentre elas, dois meninos. Além deles, cerca de trinta crianças foram feridas a bala em Nablus quando soldados atiraram em um grupo que voltava da escola. Atiraram porque dois deles jogaram pedras nos tanques na barragem militar.    
Os palestinos lamentaram, reclamaram, mas o "incidente" foi arquivado.
O mês de dezembro e o ano de 2002 acabaram com explosão de mais duas residências em Dura, perto de Hebron.
As duas casas abrigavam as famílias de dois resistentes que haviam sido mortos na semana anterior em um mini campo de batalha. No confronto com soldados israelenses perto da colônia Otanel, os dois jovens palestinos lutaram até a morte. Antes de darem o último suspiro, mataram quatro soldados israelenses deixaram seis outros feridos.
O ano começou e terminou com sangue, enterro e sofrimento de famílias dos dois lados da Linha Verde.
Ariel Sharon celebrava a "vantagem" que levava. Contra seus concorrentes e contra Yasser Arafat.
Pois a despeito de todo o dano que causava a seus compatriotas, sua reeleição estava longe de periclitar.

 

"We were in Bethlehem, Nokdim I believe it is called, near Nokdim. Shdema was the name of the base. A thing I've found out just now, during my reserve service, my company commander told me that before going in they would smoke drugs, he and some other officers. I saw things that were, in my view, immoral; I was really shocked by the irresponsibility. Because these were people some of whom I'd taken as responsible, certainly when dealing with human life, and humanity.
Did they say why they did drugs?
No special reason, just for the kick. Before going out on a reconnaisance tour, something that was expected to warm up, they would sometimes smoke drugs. I don't know how often. It's a story he told me. At the time he told me this he was on drugs as well, so I don't know how credible it is, but in any case it is worrisome."
Reservista da IDF, forças israelenses de ocupação, Shovrim Shtika - Breaking the Silence

Reservista da IDF, forças israelenses de ocupação,
Shovrim Shtika - Breaking the Silence


domingo, 7 de abril de 2013

Obama fecha os olhos... Israel age



A Palestina, sobretudo a Faixa de Gaza, voltou à valsa da revolta na semana passada.
Desde agosto do ano passado que os familiares de Maysara Abu Hamdeya, pediam, através de advogado, a liberdade deste homem de 64 anos para que ele fosse tratado de um câncer no esôfago. As demandas foram vãs, e Maysara acabou sendo transportado em urgência para o hospital para morrer e ser em seguida  velado pela família.
É claro que é bem provável que o câncer o tivesse matado de qualquer jeito, mas a revolta foi pela negligência que sofreu durante a doença que o consumia e as dores insuportáveis que esta lhe inflingia. Sem que ele obtivesse analgésicos adequados.
Negligência comum, com os prisioneiros palestinos.
Apesar das demandas do advogado, Maysara só foi levado ao hospital Soroka em dezembo de 2012 "por problemas de visão", foi dito então. Os testes solicitados pela família só foram feitos em janeiro quando sua saúde já se deteriora muito. Foi então que o câncer foi oficialmente diagnosticado e sua família pediu sua libertação para tratá-lo. E foi ignorada.  
A IDF (Forças armadas israelenses) capturaram Maysara em 2002, durante a Segunda Intifada, a Al Aqsa. Ele foi condenado à prisão perpétua por suspeita de participação de tentativa de atentado em um bar de Jerusalém ocidental ocupada.
Enfim, fazia parte dos 4.713 prisioneiros políticos palestinos de todas as idades - dos 12 aos 72 - presos em Israel.
É o maior número de presos políticos do mundo.
Muitas mezes mal-tratados.
Muitas vezes detidos sem perspectiva de julgamento. Como o jogador de futebol da seleção palestina Mahmoud Sarsak.
http://mariangelaberquo.blogspot.com/2012/06/requiem-por-um-jogador-de-futebol.html

O enterro de Maysara foi em Hebron, sua cidade natal, e a procissão funerária virou passeata. Não apenas em Hebron, mas em várias cidades da Cisjordânia e da Faixa de Gaza.
Centenas de palestinos, sobretudo jovens, saíram às ruas de Gaza, Hebron, Nablus, Tulkarm e Ramallah para manifestarem contra a arbitrariedade que os esmaga.
Pois o caso de Maysara não é isolado e "estamos cansados de ouvir discursos e promessas de negociações de paz quando no terreno somos tratados como cães vira-latas ou objetos que estorvam o dono da casa!" disse um hebronita de olhos embaçados.
Só em 2013, Maysara é o segundo prisioneiro político palestino a morrer sob "custódia" israelense. O primeiro foi Arafat Djaradat (foto do enterro à direita). , de 30 anos, que faleceu durante um interrogatório em que a tortura dos verdugos foi longe demais.
Desde 2005 que os palestinos pararam seus atentados em Israel, mas os atendados da IDF e do Shin Bet na Cisjordânia e na Faixa de Gaza continuaram sem piedade.
Na quarta-feira, logo após a morte de Maysara, soldados da IDF mataram dois jovens "que nos jogavam pedras" em um checkpoint na Cisjordânia. Os jovens não foram mortos com balas de borracha e sim com balas de verdade.
E a violência da IDF continuou toda a semana.
Segundo a ONU, apenas em 2012, a IDF matou seis civis na Cisjordânia. Os feridos são raramente recenceados. E nesta estatística não estão incluídos os gazauís assassinados em ataques esporádicos nem no bombardeio organizado.
Com tudo isso, duas semanas após sua passagem meteórica na Cisjordânia, as palavras de Barack Obama soavam ainda mais como jacota e conversa fiada do que promessas de um estadista honrado.

Statistics on Palestinians in the custody of the Israeli security forces. At the end of Feb. 2013, some 4,713 Palestinian security detainees and prisoners were held in Israeli prisons. A few dozen other Palestinians (we do not have precise figures) are held in IDF facilities for short periods of time. The following data were provided by the IPS.
Click to see full chart
Para maiores informações, contatar Itamar Barak por e-mail: itamar@btselem.org.


Falando nisso, ou seja, na tal ida de Barack Obama ao Oriente Médio, embora já tenha passado duas semanas, vou aproveitar para abordar a visita. Que foi, diga-se de passagem, para fortalecer os laços securitários que unem os dois países mais do que para Obama pressionar Binyamain Netanyahu para que este seu maior aliado se humanize e veja a vida a, pelo menos, médio prazo.
Esta foi a primeira viagem internacional do presidente estadunidense reeleito e em geopolítica isto é uma mensagem de importância do visitado. (Mais ou menos como a primeira visita do Papa ao Brasil. Que é uma deferência, embora já estivesse marcada por Bento XVI, e que mostra a importância do nosso país na hierarquia do Vaticano e do próprio Francisco que foi eleito com ajuda importante dos nossos cardeais.)
Voltando a Barack Obama, havia calado sua viagem porque, a meu ver, o mercador de ilusões estadunidense não disse nada que valesse a pena ser registrado. Porém, como recebi muitos emails sobre o assunto, vai uma palavrinha abaixo.
Começando pelo fim. Ou melhor, a véspera da partida para a Jordânia.
Na quinta-feira, dia 21, a excursão terminou com um banquete em Tel Aviv em homenagem ao presidente estadunidense.

Durante os três dias de visita a Israel e uma passagem rápida pelos territórios ocupados, viu-se uma sucessão de tapinhas nas costas, ouviu-se muitas palavras, uma enxurrada de frases bem articuladas.
Só faltava o toque da encenação final para deixar claro que a montagem fora feita nos mínimos detalhes, inclusive as piadas "improvisadas".
Todos elogiaram o cardápio. A companhia... deixa pra lá.
À mesa, Obama começou seu discursinho com um gracejo pré-frabricado. Brincou que o presidente de Israel, o "indesencarnável" Shimon Peres, movera sua taça de vinho... A garçonete chegou com uma taça cheia loguinho e os jornalistas perspicazes comentaram em voz baixa que o diretor do esquete "humorístico" pecara pelo timing. Em bom português, pela sincronização das cenas que deveriam, para serem credíveis, ser defasadas.
Do jeito que foi, mostrou a afinidade entre os dois governos.
Além de confirmar a certeza que a visita do presidente dos EUA foi, do início ao fim, poeira nos olhos, patati patatá, e joguemos pra frente a batata quente.
Poucos antes, nesse fechamento gastronômico, Obama recebera das mãos de Peres a Medalha de Distinção - a maior comenda israelense.
Por serviços prestados, é claro.

O encontro entre os dois chefes de Estado recém-reeleitos - Barack Obama e Binyamin Netanyahu - não deixou de lembrar o último encontro em Washington.
Naquele dia na capital dos Estados Unidos, o Primeiro Ministro de Israel humilhara o presidente dos Estados Unidos grosseiramente quando este, na Casa Branca, ousou abordar as fronteiras de 1967.
O israelense calou a boca do estadunidense como se fosse vassalo e não presidente.
Obama engoliu o sapo, "esqueceu" de falar na Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU e fez mais uma bobagem neste dossiê em que tropeça desde 2009.
Para completar, tirou Dennis Ross do ostracismo em que sua incompetência, se não tiver sido sua parcialidade, o jogara e o pôs de conselheiro.
É de amargar. Um homem que só não causou mais prejuízo ao Oriente Médio do que Henry Kissinger e Madeleine Albright, estava de volta ao palco.
Por que Dennis Ross que na era Clinton complicou a situação em vez de melhorar?
Dizem as más línguas que é porque Ross é judeu como Albright e Kissinger. Assim agrada a AIPAC e seria bem-vindo em Tel Aviv onde a extrema-direita reina.
"Mas e os direitos palestinos? Quem vai cuidar?" perguntou um negociador da paz.
John Kerry? Talvez. Casado com a luso-moçambicana Maria Teresa Thierstein Simões-Ferreira -  ex-esposa do milionário Heinz naturalizada estadunidense - Kerry é católico praticante. Teresa também, além de filantrópica que defende causas importantes, sem controvérsia.
Mas voltando a Obama e à visita no Oriente Médio, estava programado que o lado oriental da Linha Verde ele só veria do alto e rápido.
Mesmo assim, esperava-se que ele olhasse para baixo e visse o muro da vergonha, a Cisjordânia entrecortada de colônias e de barragens.
Para compensar estas imagens intragáveis, os israelenses têm sempre um coringa na manga. O museu Yad Vashem Holocausto, onde exibem ao visitante uma foto do velho Grande Mufti de Jerusalém com Adolf Hitler. É a maneira insidiosa que encontraram de contaminar todo palestino com o nazismo até essa foto ser tirada de lá.
Tentam assim esconder que os palestinos lutaram ao lado dos britânicos na Segunda Guerra Mundial. Em troca da liberdade que nunca alcançaram.

Mas como Deus é grande, a visita presidencial terminava realmente em Belém. O presidente da Autoridade Palestina acompanhou Barack Obama e John Kerry à Basílica da Natividade, onde os dois homens passaram vinte minutos observando detalhes.
Pergunto-me se Obama lembrou-se que votou contra a Basílica ser tombada pela Unesco no dia 29 de junho de 2012... atendendo demanda do governo israelense.
Na saída, o helicóptero os esperava para transportá-los ao aeroporto Ben Gurion sem que Kelly e Obama pisassem em mais um palmo da Cisjordânia antes de seguirem viagem para a Jordânia.
Mas como Deus escreve certo por linhas tortas, uma tempestade de areia impediu que decolassem e os dois convidados de honra foram obrigados a ir para o aeroporto de carro.
Aí, querendo ou não, tiveram de ver todos os muros e passar por todas as barreiras que impedem o trânsito da população palestina.
Até quem tem sangue de barata arrepia quando é submetido ao apartheid. Mesmo a experiência sendo acidental.
Barack Obama foi à Palestina com agenda pragmática, mas o futuro dirá se saiu de lá o mesmo homem e se terá coragem de impor a justiça na qual afirma acreditar.
O futuro dirá se seus princípios humanos ultrapassam o temperamento conciliador que estrangula sua boa vontade.
O fato é que fez tudo errado. Falarei sobre seus foras in/voluntários em outra oportunidade.

Por enquanto fiquei admirada com sua capacidade inesgotável de falar sem dizer nenhuma novidade e mesmo assim abafar.
Em outubro do ano passado, o presidente dos Estados Unidos dissera com uma firmeza que não lhe é peculiar: "When I go to Israel, I want to make sure that we are actually moving something forward."
Discursos longos, puxados a sustância abstrata, não faltaram.
Porém, nenhuma proposta concreta foi apresentada.
Aliás, por incrível que pareça, os redatores dos discursos de Obama abraçaram com mais ênfase a narrativa sionista da Palestina ser o "lar histórico judeu do que os presidentes que o antecederam. Deixando quase subentendido que os palestinos - os habitantes indígenas- eram "convidados" indesejados em sua própria terra natal.
Seus discursos têm incorporado sistematicamente os argumentos israelenses de segurança, do "anti-semitismo", do "terrorismo palestino", da "rejeição da existência de Israel". Razões dadas às seis décadas de ocupação e à expropriação abusiva e ilegal.
Obama apresentou a Paz, livre de ocupação e confisco de terra alheia, como um "sacrifício". E não como uma restauração dos direitos inalienáveis dos palestinos viverem em segurança e liberdade em seu país natal.
Obama disse nas entrelinhas que Israel podia contar com o apoio cego dos EUA, mas que sem negociar a paz, o país ficará cada vez menos seguro, cada vez menos democrata e cada vez mais isolado.
Trocando em miúdos, a visita foi aos israelenses.
Aos palestinos Obama não ofereceu nada.
Tapinhas nas costas em Tel Aviv, tapas nas mãos em Ramallah.
A mesma história.
Não ousou emitir uma palavra que chateasse o novo governo de coalição direita & extrema-direita apoiado pelo Knesset "renovado".

Aí me perguntam se a visita do Presidente dos EUA foi um sucesso em algum ponto... Bem, qualquer análise que envolva Obama tem de partir do pragmatismo doentio que lhe é peculiar.
Como já disse antes, este é o modus operandis que o caracteriza desde que entrou na política. Este MO intensificou-se desde que ocupa a Casa Branca. Modus operandis que prima sobre sua inteligência e suas qualidades.
Apesar de sua visão ampla, que em outro político se traduziria em medidas evolutivas, Obama é um realista pessimista. Ele pode soar como um idealista, mas seu pragmatismo - intrínseco e irremovível - faz com que lidere com freio de mão engatado. Avance recuando. Ande parado.
Acho que a visita de Obama a Israel teve um objetivo mais doméstico do que internacional.
Primeiro, antes de sair, reuniu todos os judeus influentes para" tranquilizá-los" que a visita não teria nenhuma surpresa. Não diria nada de que abalasse o status quo atual.
A promessa foi cumprida ao pé da letra.
Para garantir uma atmosfera menos poluída em casa, Obama tem de evitar uma grande catástrofe no Oriente Médio. Isto é, um evento que prejudique demais Israel.
Portanto, foi e disse que Israel podia contar com ele, com a CIA, com o Pentágono para o que der e vier... no tocante ao programa nuclear iraniano. Mas insinuou que vai aceitar a mão diplomática que os aiatolás estão estendendo.
Trocando em miúdos, o ambíguo Barack Obama só revelou o "leão visível".
Os Estados Unidos continuam sendo a maior potência militar do mundo e o maior (e único) aliado incondicional de Israel. Contudo, o poder político gringo está se esvaindo e Washington não pode mais garantir o apoio forçado das demais potências aliadas. Menos ainda das potências emergentes, ou seja, do BRICs.
Portanto, que Israel se cuide e para o próprio bem, negocie. Este é o único caminho.
Disse isto sem dizer, mas calou-se até nas entrelinhas sobre a colonização desmedida.
Sem contar que cometeu um pecado capital em sua visita a Ramallah. Entrou na Mukata'a "sem ver" o túmulo de Yasser Arafat. Coisa quase impossível. Um tapa na cara dos palestinos. Yasser Arafat é o Tiradentes local. Ignorá-lo, passar por seu túmulo sem prestar-lhe homenagem é como ir à França e não visitar o túmulo do soldado desconhecido. É como ir a Israel e não visitar Yad Vashem.

Querendo ou não, Yasser Arafat é para os palestinos o que George Washington é para os estadunidenses, o que Mahatma Ghandi é para os indianos, enfim, até seus rivais políticos e oponentes internos reverenciam sua memória.
Em toda escola palestina, em toda instituição pública, em toda universidade, o retrato de Yasser Arafat tem lugar de destaque.
Arafat é o pai da Nação Palestina. É quem devolveu aos palestinos o sentimento de dignidade. É o motor que empurra o país para a autonomia e a liberdade.
Não honrando a memória do ex-líder palestino, ou melhor, fazendo de conta que o ignora, Obama insultou o país inteiro. Foi estúpido.
O fato é que seu corpo estava na Cisjordânia, mas sua cabeça estava em Israel o tempo todo.
Seu medo de Netanyahu foi maior, é maior do que sua inteligência e seu bom senso.
Sem contar que na Casa Branca Obama cercou-se de judeus sionistas. São seus conselheiros mais próximos. Fora do trabalho, idem. Seu círculo de amizade gira em torno do mesmo perfil de pessoas.
Que eu saiba, não tem nenhum palestino na Casa Branca nem nas imediações. Na vida pessoal do presidente dos Estados Unidos idem.
É compreensível que tome o partido incondicional de Israel, pois seria pedir demais que fosse impermeável à sensibilidade sionista de seus próximos e que tivesse alguma objetividade.
O que falta ao presidente dos Estados Unidos é empatia com os palestinos.
É entender o que vivem, o que sentem, o que carecem, com o que sonham, o que merecem, o que precisam.
Precisam de um presidente dos Estados Unidos que enxergue com igualdade os seres humanos e que priorize a justiça às suas simpatias pessoais judias.


clique no link acima para ver a proporção de desapropriações forçadas

Agora cedo espaço a cidadãos dos países que a indecisão e o partidarismo de Obama atingem diretamente.
Primeiro uma palavrinha curta do palestino Yasser Abed-Rabbo, assessor de Mahmoud Abbas.
"There can be no real [peace] process with the continuation of settlement activities on our lands. The issue of settlements is central."
No mais, transpareceu o seguinte: The Palestinians cannot negotiate a border between Israel and a future Palestine while Israel unilaterally shapes that line through accelerated settlement building.
The Palestinians want a state in the West Bank, Gaza and East Jerusalem territories Israel captured in the 1967 war - but are ready for minor adjustments to accommodate some settlements closest to Israel. 
Desde 1967, Israel construiu dezenas de invasões na Cisjordânia. Muitas delas em Jerusalém Oriental. Instalaram nelas 560 mil imigrantes ilegais - 60 mil destes depois que Obama assumiu a presidência quatro anos atrás.
  




"The conflict between Israel and Palestine has very solid factual causes. But it has also been rightly described as a “clash between traumas”: the Holocaust trauma of the Jews and the Naqba trauma of the Palestinians (without suggesting equivalence between the two calamities.)
Many years ago in New York I met a very good friend of mine. He was an Arab citizen of Israel, a young poet who had left Israel and joined the PLO. He invited me to meet some Palestinians at his home in a suburb of New York. His family name, by the way, was the same as Obama’s middle name.
When I entered the apartment, it was crammed full with Palestinians – Palestinians of all stripes, from Israel, Gaza, the West Bank, the refugee camps and the Diaspora. We had a very emotional debate, full of heated arguments and counter-arguments. When we left I asked Rachel what, to her mind, was the most outstanding common sentiment of all these people. “The sense of injustice!” she replied without hesitation.
That was exactly what I felt. “If Israel could just apologize for what we have done to the Palestinian people, a huge obstacle would have been removed from the road to peace,” I answered her.
It would have been a good beginning for Obama in Ramallah if he had addressed this point. It was not the Palestinians who killed six million Jews. It was the European countries and – yes – the USA which callously closed their doors to the Jews, who were desperately trying to escape the lot awaiting them. And it was the Muslim world which welcomed hundreds of thousands of Jews fleeing from Catholic Spain and the inquisition some 500 years ago.
OUR CONFLICT is tragic, more than most. One of its tragedies is that neither side can be entirely blamed. There is not one narrative, but two. Each side is convinced of the absolute justice of its cause. Each side nurses its overwhelming sense of victimhood. Though there can be no symmetry between settlers and natives, occupier and occupied, in this respect they are the same.
The trouble with Obama is that he has completely, entirely, totally embraced one narrative, while being almost completely oblivious to the other. Every word he uttered in Israel gave testimony to his deeply-rooted Zionist convictions. Not just the words he said, but the tone, the body language, all bore the marks of honesty. Evidently, he had internalized the Zionist version of every single detail of the conflict.
Nothing like this was in evidence in Ramallah. Some dry formulas, yes. Some honest efforts to break the ice, indeed. But nothing that touched the hearts of the Palestinians.
He told his Israeli audience to “put yourselves in the shoes of the Palestinians”. But did he do so himself? Can he imagine what it means to wait every night for the brutal banging on the door? To be woken by the noise of bulldozers approaching, wondering whether they are coming to destroy your home? To see a settlement growing on your land and waiting for the settlers to come and carry out a pogrom in your village? Being unable to move on your roads? To see your father humiliated at the road blocks? To throw stones at armed soldiers and brave tear gas, rubber-coated steel bullets and sometimes live ammunition?
Can he even imagine having a brother, a cousin, a loved one in prison for many, many years because of his patriotic actions or beliefs, after facing the arbitrariness of a military “court”, or even without a “trial” at all?
This week, a prisoner called Maisara Abu-Hamdiyeh died in prison, and the West Bank exploded in rage. Israeli journalists ridiculed the protest, stating that the man died from a fatal disease, so Israel could not be blamed.
Did any of them imagine for a moment what it means for a human being to suffer from cancer, with the disease slowly spreading through his body, deprived of adequate treatment, cut off from family and friends, seeing death approaching? What if it had been their father?
THE OCCUPATION is not an abstract matter. It is a daily reality for two and a half million Palestinians in the West Bank and East Jerusalem - not to mention the restrictions on Gaza.
It does not concern only the individuals practically denied all human rights. It primarily concerns the Palestinians as a nation.
We Israelis, perhaps more than anyone else, should know that belonging to one’s nation, in one’s own state, under one’s own flag, is a basic right of every human being. In the present epoch, it is an essential element of human dignity. No people will settle for less.
The Israeli government insists that the Palestinians must recognize Israel as the “Nation-State of the Jewish People”. It adamantly refuses to recognize Palestine as the “Nation-State of the Palestinian People”. What is Obama’s position on that?
FOLLOWING THE visit, Secretary of State John Kerry is now working hard to “prepare the ground” for a “resumption” of the “peace talks” between Israel and the PLO. Many quotation marks for something so flimsy.
Diplomats can string together hollow phrases to conjure up the illusion of progress. That is one of their main talents. But after a historic conflict lasting some 130 years, no progress towards peace between the two peoples can be real, if there is no equal respect for their national history, rights, feelings and aspirations.
As long as the US leadership cannot bring itself to that point, the chance of its contributing to peace in this tormented country is close to nil."
Uri Avnery, jornalista israelense.


Abaixo transcrevo as perguntas que o universitário palestino Rabeea Eid dirigiu ao Presidente dos Estados Unidos.
O jovem jornalista conseguiu furar a peneira dos alunos selecionados na Universidade de Haifa para ovacionar Barack Obama em Jerusalém e levantou algumas lebres escondidas.
Como mostra a vídeo abaixo, no meio da fala de Obama, Rabeea lhe dirigiu três perguntas em hebraico antes dos seguranças israelenses e estadunidenses o retirarem da sala.
Na onda da desinformação, o comunicado oficial que foi para os jornais dos Estados Unidos dizia que o heckler interpelara Obama a propósito do espião israelense Jonathan Pollard.
Mas com a disseminação da vídeo nas redes sociais e no youtube, a assessoria de imprensa da Casa Branca foi obrigada a retratar-se.
Antes de reportar as perguntas que abalaram Tel Aviv, Washington, e foram ignoradas pela mídia internacional bem-comportada, uma palavrinha sobre este rapaz de 24 anos que passou do anonimato à celebridade com poucas palavras.
Rabeea é nativo de Eilabun, cidade que sofreu um dos piores massacres israelitas - Operação Hiram - em outubro de 1948.
Tecnicamente, o rapaz tem a nacionalidade israelense, pois a Galileia faz parte da terra que Israel usurpou após o traçado das Nações Unidas que delimitava as duas nações deixando-a à Palestina.
Mas cultural e historicamente, Rabeea é palestino cristão. Formou-se em política e filosofia na Universidade de Haifa e escolheu a carreira jornalística. Trabalha no semanário Al Fasl Mqal e é editor chefe do site arabs48.com.
Após o "escândalo" e após recuperar a liberdade, declarou ao Canal 10 da TV israelense que considerou o discurso de Obama "exctremista e sionista ao falar de um Estado Judeu, que para mim e para os palestino espalhados pelo mundo é inaceitável."
Em seu site Walla, disse que gritou "contra a ocupação e pela liberdade da Palestina."
Rabeea Eid virou ídolo, da noite pro dia, graças a estas quatro perguntas básicas que dirigiu ao presidente dos Estados Unidos:
"Did you really come here for peace or to give Israel more weapons to kill and destroy the Palestinian people?
Did you happen to see the apartheid wall on your way here?
There are Palsetinians sitting in this hall. This state should be for all of its citizens, not a Jewish state only.
Who killed Rachel Corrie? Rachel Corrie was killed by your money and weapons!"

Barack Obama no palco vs Rabeea Eid na plateia

E enquanto Obama falava em Jerusalém para a juventude dourada israelense, 
a IDF cacetava os meninos palestinos em Hebron.

Palestra de Noam Chomsky em Londres no dia 18 de março de 2013

Trailer do documentário: The sons of Eilaboun