domingo, 29 de setembro de 2013

Quem merece crédito, Obama ou Rohani?



Na semana passada o novo presidente do Irã foi à Assembleia das Nações Unidas acordar sua sorte.
"Vá acordar sua sorte" é um dos muitos provérbios persas que os iranianos utilisam. 
Hassan Rohani foi a Nova York com este propósito, acordar a "sorte" que há anos o seu país perdeu junto ao restrito clube dos países desenvolvidos que tiravam proveito do antigo regime ditatorial do Xá Mohammad Reza Pahlev.
Indo a Nova York Rohani esperava despertar mesmo era os Estados Unidos, mergulhados em um torpor preconceituoso desde a Revolução que derrubou o Xá e da qual surgiu a República Islamita do Irã em 1980.
Rohani estendeu a mão também a Israel quando denunciou o holocausto na Segunda Guerra Mundial.
Tel Aviv não se mostrou disposta a fumar o cachimbo da paz, mas Washington não teve como evitar.
Barack Obama ficou reticente mas acabou aceitando a mão estendida de Hassan Rohani apesar da ideia fixa dos Estados Unidos que veremos mais adiante.

Binyamin Netanyahu preferiu mandar sua delegação retirar-se acintosamente durante o pronunciamento do presidente iraniano.
Pegou mal. Cheirou a imaturidade, a vontade de briga e falta de vontade de resolver a questão nuclear e as demais pendências de maneira diplomática, amigável.
O Primeiro Ministro de Israel foir recriminado por seu próprio Ministro da Economia Yair Lapid (cujo partido centrista Yesh Atid aderiu à coalizão governamental nas últimas eleições) que disse que o gesto de afronta fora um erro.
"Israel should not seem as if it is serially opposed to negotiations and as a country that is uninterested in peaceful solutions. Leaving the UN general assembly and boycotting is irrelevant in current diplomacy."
Desde a posse de Rohani (reformista bastante popular no Irã apesar das sapatadas que levou dos sectários na chegada) que a ala extremista majoritária do governo de Netanyahu referese-se a ele como "a wolf in sheep's clothing".
Aliás, em Tel Aviv, cada vez que um adversário tenta ser cordial, em vez de aceitar o diálogo para tentar fazer amizade e deixar as águas rolarem para o oceano da paz, os reacionários fazem este comentário depreciativo do "Lobo com pele de carneiro" com sarcasmo.
Postura que os extremistas israelenses atribuem aos oponentes porque dela abusam frequentemente embora exijam do alheio o que não têm; e por isso, merecerem outro provérbio persa: اول برادریتو ثابت کن، بعد ادعای ارث و میراث کن; literalmente, Primeiro prove sua fraternidade, depois reclame sua herança.
Provérbio que considerando a história das relações obscuras de Washington com Teerã (e o resto do mundo) e de Israel com o Irã (e com os países que alicia) deveria estar mesmo na cabeça é de Rohani e não de Netanyahu e Obama.
E está, com certeza, embora o Presidente iraniano engula o sapo para parar de dar murro em ponta de faca. Engole o sapo, mas nem por isso está pronto a atender a demandas que só sirvam os Estados Unidos.
Pois há outro provérbio persa que se sabe adequado à insaciabilidade estadunidense: آنانکه غنی‌ترند، محتاج‌ترند; literalmente, Quanto mais rico, mais carente/faminto.
Rahoni tem consciência disso, mas sua margem de manobra é pequena. A não ser que ponha Vladimir Putin na jogada...

Rohani tem no Irã o que Ahmadinejad não tinha. Credibilidade por ter sido eleito democraticamente. 
Desta vez, foi sim, uma vitória incontestável. 
E quem conhece sua atuação no Programa Nuclear e nos cargos que exerceu nos últimos anos sabe que Rohani não é Ahmadinejad. É um homem bem preparado e sensato. É religioso, mas tem apoio de muitos eleitores liberais e do Partido Verde. 
E apesar dos preconceitos ocidentais baseados mais na ignorância e na difamação midiática do que em fatos, o Irã não é assim o Bicho Papão que falam.
É verdade que é um regime autoritário bastante sectário que tem de expandir os Direitos de seus cidadãos e os Direitos Humanos em geral.
Para demonstrar boa vontade nesta área, antes de embarcar para NY, Rohani libertou onze presos políticos. Inclusive a advogada Nasrin Sotoudeh, defensora de vários ativistas perseguidos pelo regime, inclusive da colega Shirine Ebadi, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz e refugiada política em Londres devido a perseguições intermináveis do regime.
Esta proibição de participação social da população é execrável.
Por outro lado, o Irã é um Estado, em certos aspectos, até liberal.
A sociedade é dividida em dois: as classes C, B e A, quanto mais cosmopolitas e estudadas, mais laicas. E as classes C e D menos instruídas e mais sectárias.
(Ao contrário de Israel onde o sectarismo predomina em todas as classes. Aliás, em Israel a sensatez também independe de idade e meio social - embora a maioria dos pacifistas israelenses seja de esquerda e de meio social mais esclarecido, há alguns reservistas do Breaking the Silence que foram criados em famílias ortodoxas.)

Cidadela de Bam
Voltando ao Irã, é um país muito bonito e interessante. Teerã é uma cidade viva, culta, dinâmica.
Que eu saiba, o Irã é o único país do mundo que apesar de reivindicar uma particularidade religiosa até no nome do Estado, reserva no Parlamento cadeiras a representantes de religiões minoritárias. Não às inimigas milenares, mas às toleradas e protegidas oficialmente, ou seja, cristianismo, judaísmo, zoroastrianismo.
Estas três religiões têm cadeiras cativas no Parlamento e hoje contam com 14 dos 290 deputados. A divisão das cadeiras desta minoria é de 5 cristãos ortodoxos armênios, 4 católicos, 3 judeus, 2 zoroastrianos. O que representa apenas 2,1 por cento do Legislativo, entretanto, considerando a fama de obtusos que os Aiatolás têm, a simples obrigatoriedade de representação já me parece significante.
Os Reformistas representam 35,5 por cento do Parlamento.
É claro que no sistema autoritário estabelecido pelos aiatolás as grandes decisões são tomadas no alto da pirâmide político-jurídico-executiva.

Como já disse em um prévio blog dedicado ao Irã (19/02/12), o presidente não governa de maneira soberana e o poder do Parlamento é relativo. Há um Líder Supremo acima dos Três Poderes. O cargo foi definido pela Constituição pós-revolucionária a fim de garantir o respeito à Lei Islâmica.
Este homem que é a maior autoridade hierárquica do país é eleito por uma Assembleia de Especialistas, que por sua vez é eleita por sufrágio universal por 8 anos.
O Líder Supremo, hoje, Aitatolá Ali Khamenei, por sua vez escolhe os doze membros do Conselho Guardião que delibera em última instância sobre as decisões legislativas, executivas, judiciárias. Este Conselho Guardião é composto por quatro advogados e seis aiatolás.
O que não significa que a Assembleia Legislativa, o Poder Judiciário e o Presidente da República não tenham voz ativa neste sistema. Têm. Desde que convençam o Conselho que têm razão e que esta não seja nociva ao sistema...
Khamenei continua cético em relação a Barack Obama. Gato escaldado, o Aiatolá declarou que "Americans are untrustworthy and illogical. They are not honest in their dealings."
Acho que o Líder Supremo iraniano não é o único a pensar assim no mundo. Nem no meio político nem no econômico. Mas está pronto a deixar Rohani tentar fazer as pazes e o bloqueio contra seu país acabar.
Quanto a Binyamin Netanyahu, outro extremista notório e do qual todos os presidentes ocidentais desconfiam até quando espirra (Está mesmo gripado ou está fingindo? Se estiver gripado, está querendo me passar algum vírus?...), é obcecado com o Irã do mesmo tanto que George Bush era obcecado com o Iraque de Saddam Hussein (patologia mais do que nefasta para os demais países). Por isso não poupou escárnio quando Rohani pediu moderação e discussão sobre o programa nuclear iraniano: His speech is filled with hypocrisy. The world must keep up the pressure on Tehran.
(O mínimo é dizer que nese caso é o imundo falando do mal lavado. Pois "Bibi", como Netanyahu é conhecido em seu país, já mostrou suas garras afiadas e suas atividades na Faixa de Gaza e na Cisjordânia há anos atestam sua insaciável vocação de destruir e predar.)

Bem, quando Obama entrou no governo em 2009 e ainda não estava dominado pela AIPAC (lobby israelense em Washington) se dizia pronto a negociar com o Irã sem pré-condições.
A retória mudou depois da pressão israelense mesmo tendo em mãos relatórios de seus espiões que concluíam que o Irã abandonara seu programa nuclear anos antes. O próprio New York Times fez o relato. Que batia com descobertas feitas em 2007.
Então por que Obama voltou atrás quando Lula e Erdogan conseguiram convencer Ahmadinejad a aceitar as condições da Casa Branca para negociar há alguns anos?
Porque o que interessa realmente os Estados Unidos e Israel é uma mudança do regime no Irã.
Sephen Walt, professor da Universidade de Harward, escreveu em junho de 2012 que o Irã tinha razão de desconfiar desta segunda intenção e concordo com ele neste ponto sem hesitar.
O problema é que, como sempre, os Estados Unidos olham o mundo com uma lente míope que deforma o presente e desconsidera o futuro e o fato irrefutável que toda ação tem consequências. Quando os atos são militares, as consequências são sempre drásticas.
Nos casos em que os EUA intervêm militarmente as consequências são previsíveis e estimáveis, mas assim mesmo recidiva.
Por quê?
Porque teimam em querer reproduzir alhures o american way of life.
Por quê?
A fim de exportarem seus produtos e procederem a pilhagens sistemáticas das riquezas alheias.
Que melhorem o quê?
O american way of life. Sobretudo do 1% que controla as riquezas mundiais.
Foi assim no Iraque, foi assim no Afeganistão, foi assim na Líbia, está sendo asssim no Egito, na Síria, e no Irã querem fazer igualzinho.
Incitam o golpe com espionagem e armas contrabandeadas através da Arábia Saudita e depois deixam tamanha desordem que o novo Al-Qaeda agradece o que recebeu de mão beijada e toma as rédeas de maneira terrivelmente perigosa. E Deus nos guarde!

Enquanto isso, a "abertura" de Obama ao diálogo com Rohani está no mesmo pé do ano passado quando Paul Pillar, veterano da CIA e professor convidado na Georgetown University de Washington DC, disse que The Iranians have good reason for doubts. There is ample reason for them to believe—a belief reinforced by the experience of Qaddafi in Libya—that ultimately the main Western interest is in regime change. In the near term, they also have reason to wonder whether, if they start making significant concessions, they will see any significant lessening of the sanctions.  And although the Obama administration does want a deal, demands that can easily be interpreted either as deal breakers or as having been selected with a military attack in mind tend to raise questions about that, too. Relieving such doubts ought to be a major objective of the United States and its P5+1 partners in planning their approach toward the talks.
The Obama administration has placed high stakes on negotiations with Iran. In dealing with the immediate problem of an Israeli government with an itchy trigger finger, the administration has signed on to the Israeli position of an Iranian nuclear weapon being unacceptable. The United States ought to place heavy emphasis on negotiations with Iran in any case. There is still ample unexplored negotiating space for reaching an agreement with Tehran. But given the stakes, the administration cannot afford to risk messing up the process by focusing on demands that seem to have more to do with simplifying the task of Israeli military targeteers than they do with anything else.
No ponto de vista do Irã é um esforço sobre-humano confiar na Casa Branca. Saddam e Gaddafi abriram as portas à inspeção ocidental e acabaram sem arma nuclear, expostos, depostos, mortos.
Sem contar que os EUA abordam o Irã de maneira ambígua e ao mesmo tempo contundente.
Ambígua porque há de se lembrar que entre 1980 e 1988 cerca de cem mil iranianos foram mortos ou feridos por armas químicas que os Estados Unidos forneceram ao Iraque para mais tarde cobrarem de Saddam que provasse que elas tinham sido mesmo usadas na totalidade... E mesmo assim executaram os filhos de Saddam Hussein e deixaram que ele fosse executado.

Contundente porque o Irã está completamente cercado geograficamente pelo Exército, bases ou aliados estadunidenses.
Por isso os iranianos devem estar se preparando para negociar sem esquecer um de seus provérbios principais: تا گفته‌ای غلام توام، میفروشنت; literalmente: Logo que disser, "Sou seu escravo", você será vendido. 
A quem? É fácil imaginar, sabendo quem é o único vizinho do Irã que tem armas nucleares.

Rohani foi diplomata e não sendo marinheiro de primeira viagem prefere pensar a priori no perigo de ficar vulnerável do que ter de lamentar a posteriori ouvindo de um compatriota outro provérbio: از ماست که بر ماست; ou seja, Cada um é responsável por sua própria desgraça.
Provérbios à parte, tanto os Estados Unidos quanto o Irã têm de "esquecer" Israel e aproveitar esta oportunidade histórica para fazerem as pazes.   
Diálogo, diálogo, diálogo. 

O governo dos Estados Unidos é ganancioso e amoral por causa dos compromissos com as empresas que elegem o presidente, mas os estadunidenses não são maus intrinsecamente e sim por ingenuidade e ignorância. 
Quanto aos iranianos, pecam no autoritarismo religioso que impõem aos compatriotas por temerem a praga do Al-Qaeda, a intransigência da Casa Branca e o ódio desmesurado de Netanyahu.  
No fundo, têm razão. Não de proibir a liberdade de expressão de seus compatriotas e sim dos três bichos-papões que rondam a regão.   
Mas ambos países são feitos de gente de carne, osso e sentimentos idênticos.
E rola em Washington que Rohani teria perdido uma boa oportunidade de encontrar Obama em um almoço "improvisado". A desculpa foi que os estadunidenses serviriam álcool... No caso, um vinho excelente de uvas chardonnay originárias da região francesa da Bourgonne e bem sucedido nos EUA. A verdade é que Rohany temia aventurar-se em terreno minado despreparado e não queria chocar a ala radical tão cedo. Mesmo assim levou sapatada na chegada...
Por esse gesto de poucos amigos, Rohany desceu um degrau na escada da conciliação e ele e Obama ficaram quase no mesmo nível. Para as coisas andarem depressa têm de encontrar-se em terreno neutro. A desconfiança mútua é grande demais.

Com a Síria também a única intervenção válida é a de empurrar todas as partes legítimas para o diálogo. Só assim garantir-se-á a paz sem o perigo do Al-Qaeda. 
Falando em Síria e e em paz, a decisão do Comitê de Segurança da ONU sobre a destruição das Armas químicas do estoque de Assad foi interessante. Representa, implicitamente, o reconhecimento oficial que estas armas não podem ser utilizadas e a necessidade de destruí-las e de parar de fabricá-las.
Israel e os Estados Unidos também usaram este tipo de arma fora de suas fronteiras.
Também serão julgados ou vai ser só a Síria?
Suas armas também serão destruídas ou só as sírias?
Podemos esperar sentados.
Para si mesmos, chamam de "Agentes Químicos", para os demais, "Armas Químicas" ou "Weapons of Mass Destruction" .
Dois pesos e duas medidas. É isto que irrita.

Reportagem al Jazeera: Israel Nuclear's capabilities


domingo, 22 de setembro de 2013

Israel vs Palestina: História de um conflito XL (03-2004)


O mês de março de 2004 foi cheio de acontecimentos dramáticos.
No dia 03 os mísseis dos apaches voltaram a largar seus mísseis.
O alvo foi o carro de membros do Hamas, que morreram perto da colônia judia de Netzarim no norte da Faixa de Gaza.
Três dias mais tarde a IDF atacou os campos de refugiados de Nuesseirat e Bureij na Faixa e deixou para trás 14 mortos. Nove deles eram combatentes do Hamas que resistiram à investida. Os demais eram civis gazauís que não tiveram tempo de esconder-se em casa ou foram vítimas de tiro ao alvo dos soldados.
Um rapaz de 19 anos e duas crianças. Uma terceira foi hospitalizada em estado crítico. Recebera uma bala na cabeça e estava prestes a engrossar a lista de efeitos colaterais.
Na Cisjordânia, o cerco foi reforçado e Yasser Arafat voltou a ser sitiado na Mukata'a de Ramallah.
No dia 10, após meses de ataques aéreos esporádicos - para execuções sumárias ou manter a população aterrorizada - a IDF varreu a Cisjordânia de bombas. No rastro de sua passagem tinha gente correndo nas ruas por todos os lados carregando os feridos para um eventual abrigo. Cinco pessoas tiveram morte instantânea. Outras morreriam mais tarde ou ficariam com os defeitos físicos inerentes a este tipo de ataque.
Esta nova agressão serviu para bloquear as negociações monitoradas nos bastidores pela diplomacia internacional.
Uma reunião fora marcada para a semana seguinte entre as duas partes e Sharon queria assegurar-se que os palestinos recuariam; ou se não recuassem, que chegassem à mesa de negociações humilhados pela prisão domiciliar de Yasser Arafat e enfraquecidos pela demonstração de força desproporcional da IDF nos campos de refugiados.
Sharon alcançaria o retrocesso pretendido. Jenin também estava em polvorosa com o ataque direto à ala militar do Fatah. A IDF matou cinco membros das Brigadas al-Aqsa em uma armadilha e o clima ficou pesado.
Em fevereiro já tinham tentado assassinar o líder da organização, Zakaria Zubeidi, em vão, e desta vez o alvo continuava sendo ele. Mas Zakaria, um dos "filhos" de Arna, não era apenas o líder da resistência local, era o símbolo vivo do patriotismo; um exemplo e um ídolo. Assassiná-lo era missão impossível. (Zakaria é um pouco fora de série no caráter e no trajeto (é, porque continua vivo - Blogs 16/12/12 e 30/12/12 - e atuante em frente pacífica).

A campanha militar isralense acabou com dezenas de pessoas velando familiares mortos e centenas de feridos sendo tratados ou padecendo de falta de auxílio, por causa do bloqueio de ambulâncias nas barragens.
A resposta veio nos dias 13 e 14 de março.
Primeiro no sábado, em um ataque militar.
Um foguete do Hamas atingiu o posto militar israelense na fronteira da Faixa de Gaza com o Egito matando cinco soldados.
Depois no domingo, às 16h20, em dois atentados reivindicados pelas Brigadas al-Aqsa e o Hamas.
Os bomba-suicidas tinham 18 anos. Eram de Jabalya, um dos campos de refugiados mais maltratados pela IDF na Faixa de Gaza. Explodiram no porto de Ashdod, o segundo mais importante de Israel. Um dos garotos explodiu em um escritório e o outro alguns minutos depois perto dos armazéns. Levaram consigo 10 israelenses e deixaram 16 feridos. Visavam um tanque de gasolina que causaria danos muito maiores. Felizmente algo deu errado e as perdas foram menores.
Mais tarde soube-se que foi Nizar Rayan, do Hamas,  que organizou o ataque. As Brigadas al-Aqsa apenas se solidarizaram. Nizar Rayan também era de Jabalya. Era formado em teologia e doutorado em Estudos Islâmicos na Universidade Ondurman no Sudão. Se tivesse nascido em um país livre teria sido professor universitário como tantos. Em um país ocupado, virou um tipo de ponte entre a ala política e a militar do Hamas porque era muito próximo do Sheik Ahmed Yassine. Um dos fundadores do Movimento e sua referência espiritual.

Três dias depois a IDF retaliou a morte dos soldados com um ataque aéreo apocalíptico de Rafah, no sul da Faixa.
No solo, tanques, caterpillars armados destruíam carros e casas, snipers da IDF atiravam e matavam de maneira aleatória (como foi o caso dos irmãos Meghahier, Ahmed de 13 anos e Asma de 16, baleados quando brincavam no telhado de casa), enfim, foi um Deus acuda por todo lado.
Os Apaches sobrevoavam aterrorizando os habitantes e seus mísseis também destruíam casas.
No final do ataque cinematográfico, quatro pessoas jaziam sem vida e um monte de meninos eram carregados agonizantes para um posto de saúde que tivesse sido poupado.
Nove pessoas estavam feridas em estado crítico, cinco casas tinham sido explodidas sem sobrar nada, e o triplo de moradias parcialmente destruídas.
No dia 21 a IDF continuou a martelar matando mais quatro palestinos, inclusive duas mulheres, em A'basan, cidadezinha vizinha ao campo de refugiados Khan Younis, na Faixa.
Na Cisjordânia, os palestinos enterravam um adolescente, três homens e uma menina de 7 anos.
Em menos de uma semana de retaliação, a IDF já matara 17 palestinos - homens, mulheres e crianças - e deixado dezenas de feridos em estado mais ou menos crítico.

Mas a cólera de Ariel Sharon ainda não fora saciada. O pior, políticamente, estava por vir no dia seguinte.
Dando continuidade à campanha de assassinatos de dirigentes palestinos, os Apaches voltaram ao ar e dirigiram-se a Gaza.
Este dia 22 de março de 2004 ficaria nos anais do conflito como uma das datas mais marcantes.
O sheik Ahmed Yassine, paraplégico e quase cego, foi assassinado na porta da mesquita na saída da oração matinal.
O atentado começou a ser realizado de manhãzinha. Uma "procissão" de jatos F-16 voou sobre Gaza. O barulho familiar deu como sempre um frio na espinha dos gazauís de todas as idades, mas era um terror ao qual estavam acostumados. Ninguém suspeitou que desta vez os jatos tinham ido fazer barulho para cobrir a missão assassina dos helicópteros de combate.
Yassine ia à mesquita do bairro de Sabra todos os dias. Ficava a apenas cem metros de sua casa. Nem ele, nem ninguém, suspeitou que as turbinas dos F-16 estavam fazendo uma cortina sonora para o Apache AH-64 aproximar-se dele na calada.
Os mísseis Hellfire do helicóptero de combate mataram instantaneamente Yassine, seus dois guarda-costas, e seis pessoas que também estavam deixando o santuário.
O que sobrou de Yassine foi levado às pressas para o hospital al-Shifa, mas sem nenhuma esperança de conseguir salvá-lo. Considerando o estado de sua cadeira de rodas, era óbio que ele também devia estar em pedaços.
Logo que sua morte foi anunciada, a Autoridade Palestina declarou três dias de luto oficial e fechou as escolas.
Em Gaza, Ismail Haniyeh (atual líder do Hamas na Faixa) disse "This is the moment Sheikh Yassin dreamed about. Ariel Sharon opened the gates of hell."
A palavra vingança emergiu dos 200 mil gazauís que seguiram o funeral, mas também dos ausentes, na Faixa e na Cisjordânia. E pela primeira vez desde sua criação, o Hamas foi eleito o partido mais popular da Palestina nos territórios ocupados.
Ultrapassou o Fatah até na Cisjordânia.
Ariel Sharon conseguiu com um assassinato neutralizar todo o trabalho de conciliação de Yasser Arafat, alienar o Fatah e sabotar como queria as negociações de paz.
O novo dirigente do Hamas, Abdel Aziz Rantissi (à direita com o sheikh), já deu o tom de sua liderança em um serviço religioso dedicado a Yassine: "The Israelis will not know security... We will fight them until the liberation of Palestine, the whole of Palestine." E dirigiu-se publicamente à ala militar do partido: "The door is open for you to strike all places, all the time and using all means."
Shaul Mofaz, o Ministro da Defesa de Israel, rotulara Yassine de "Palestinien Bin Laden" a fim de demonizá-lo e facilitar a solidariedade dos EUA, mas desta vez até Bush considerou que Ariel Sharon fora longe demais.
aliás, nem a classe política israelense foi unânime na aprovação da medida extrema. O próprio Ministro io Interior Avraham Poraz, centrista do Partido Shinui, disse que achava que este assassinato "was a bad idea because I am afraid of a revenge coming from the Palestinian side, from the Hamas side."
Enfim, até Shimon Peres, o homem de duas caras que era na época o líder do moderado Labour Party, disse temer que o assassinato "could lead to an escalation of terror."
"The assassination itself  is an act of terror", disse em alto e bom som um ativista pacifista israelense.
A comunidade internacional em peso condenou o assassinato. Começando por Kofi Annan, então secretário geral das Nações Unidas.
A Comissão de Direitos Humanos da ONU votou uma Resolução também reprovando, como a Liga Àrabe e a União Africana.
Um rascunho condenando a execução sumária de Yassine e dos outros oito palestinos assim como todo ato terrorista contra civis foi apresentada ao Conselho de Segurança.
Os Estados Unidos a vetaram, mesmo que com o veto admitissem, por ingenuidade ou arrogância, o terrorismo de Estado que Israel fazia e de cujo crime era apriorísticamente exonerado.
O embaixador dos EUA "explicou" que a Resolução, para ser aprovada, tinha de nomear o Hamas explicitamente por causa dos atentados no porto de Ashdod. Isentando assim por omissão Israel por seus atentados diários.
O comunicado que o embaixador estadunidense John Negroponte leu no Conselho de Segurança das Nações Unidas dizia que "The killing of Sheikh Yassin has escalated tensions in Gaza and the greater Middle East, and sets back our effort to resume progress towards peace. However, events must be considered in their context and as we consider the killing of Sheikh Yassin, we must keep in mind the facts. Sheikh Ahmed Yassin was the leader of a terrorist organization, one which has proudly taken credit for indiscriminate attacks against civilians, including most recently an attack last week in the Port of Ashdod, which left 10 Israelis dead. He preached hatred, and glorified suicide bombings of buses, restaurants, and cafes. Yassin was opposed to the existence of the State of Israel, and actively sought to undermine a two-state solution in the Middle East."
Para os palestinos era de novo a farsa dos dois pesos e duas medidas.
No dia 30, os palestinos fecharam o mês com as passeatas tradicionais que faziam desde 1976 para comemorar o Dia da Terra. Dia de protesto contra a desapropriação e instalação das invasões dos colonos judeus no lado oriental da Linha Verde.   
O mês terminaria com onze mortos israelenses e 80 palestinos.
Em abril Ariel Sharon poria ainda mais lenha na fogueira. E nela queimaria também muitos compatriotas dele. 


Documentário da israelo-marroquno-francesa Simone Bitton, 2004
premiado no Festival de Sundance
MUR
Parte I - legendas em português, (10')

domingo, 15 de setembro de 2013

Síria? Egito? "Palestine is still the issue"


Barack Obama é uma canseira. A política internacional dos Estados Unidos é inexistente ou uma desconfortável e perigosa dança das cadeiras. A Casa Branca acabou de levar uma rasteira do Kremlin que teve a elegância de reerguê-la discretamente para que o papel do Presidente dos EUA ficasse menos feio, a Síria, os sírios, e o mundo ocidental estão livres, momentânea ou definitivamente, de uma nova ameaça guerreira, porém, hoje não vou nem comentar o brilhante golpe de mestre do artigo de Putin do dia 11 de setembro no New York Times (Putin que posa de magnânime fora de suas fronteiras e dentro cabresteia), nem o pronunciamento desprovido de sentido de Obama (que dentro e fora de suas fronteiras espiona o mundo inteiro), e só vou dar uma palavrinha sobre a força que o Al-Qaeda ganhou na Síria durante estas semanas do vai e vem belicista de Washington.
A bandeira preta desta seita militar ultra-extremista que lá se chama ISIS - Islamic State of Irak and Syria - voltou a ser asteada sem complexo em regiões que Assad já estava para controlar.
E as declarações do líder de uma dessas facções jihadistas do nordeste do país voltam a preocupar e vão obrigar Assad a voltar a pegar pesado e dar no que falar.
Há semanas, Abu Ismail, líder de um desses grupos terroristas, ao ser interrogado sobre uma possível intervenção dos EUA, disse: "We have learned the lessons from Iraq. Iraq has made us better fighters....If you control this part of Syria, you control all the Middle East.... The fight here is more difficult than Iraq. We have the regime, Hezbollah, the Lebanese army, the Shabiha, Iran, all of them fighting us. And now maybe the Americans. We know how to defeat their air force. We know how to manoeuvre and hide from them...."
E pensar que estes extremistas que Assad combate recuperaram força e confiança justamente porque os Estados Unidos queriam descartar a oposição a Israel de Bashar el-Assad! A miopia do curto prazo é mesmo loucura e bobagem.
Assad quer recuperar o território do Golã que Israel tirou da Síria e quer que Israel se retire civil e militarmente da Palestina. Demandas legítimas que tem feito a Tel Aviv por vias diplomáticas, de maneira civilizada embora Israel mantenha a ocupação pela força das armas.
Os extremistas que na Síria torcem para os Estados Unidos bombardearem as bases de Assad não estão nem aí para a Palestina, para ninguém, para nada. Querem é impor a sharia (lei islâmica) custe o que custar.

O problema é que todas as ações dos Estados Unidos no Oriente Médio - Egito, Síria - têm um único objetivo: proteger Israel dos problemas que os isralenses criam.
No Egito a ditadura militar está cumprindo o combinado sufocando a Faixa de Gaza, como veremos em um próximo blog. Mas na Síria, se facilitarem, o tiro ainda pode sair pela culatra.  Aliás, no Egito idem.
Mas o que nos ocupa hoje é o aniversário de 20 anos de um defunto: os Acordos de Oslo.
Uma enganação que deveria ter gerado um Estado da Palestina antes do fim do milênio, mas que ao contrário gerou Peace Talks injustas e estéreis (como a atual), mais ocupação e uma desilusão que parece inerminável por causa da parcialidade estadunidense e da indiferença internacional .
Então, em vez de falar em Síria, Egito, vou voltar ao verdadeiro problema do Oriente Médio que é a ocupação da Palestina.
      

Apesar de ser um Estado que pratica o terrorismo aberto, calculado; apesar de de ser um Estado fora-da-lei,  isento de obrigação com as Nações Unidas, das quais faz parte; apesar de seus dirigentes serem conhecidos (com uma ou duas exceções) como mistificadores empedernidos, Israel, como seu padrinho gringo, alimenta alguns mitos na comunidade internacional.
Um deles é que suas forças armadas, a IDF, são as mais éticas do planeta terra. Disputa esta mentira com os Estados Unidos que também sentem necessidade de repetir a ladainha cada vez que os GIs cometem abusos no Iraque, no Afeganistão ou estupram uma soldada. 
Bom, a falta de ética humana e militar da IDF já foi há muito demolida pelos próprios reservistas Breaking the Silence. Portanto nem vale a pena mencionar.
Porém, há uma frente de combate em que Israel realmente demonstra um esmero que suplanta até o dos Estados Unidos - mestres no ramo de distorcer os fatos em benefício próprio. 
Israel talvez ganhe dos EUA de lavada na contra-informação. Na adulteração de fatos. No abuso da credulidade dos incautos. Na manipulação da mídia e da opinião pública internacional mais do que qualquer outro Estado do planeta.
Há anos esmeram na calúnia. Em rotular de antisemita o cidadão não-judeu que ouse criticar a ocupação civil e militar israelense da Palestina.
O pacifista ou ativista judeu estrangeiro anti-ocupação é chamado de self-hated jew e considerado personnae non grata em Israel.
As centenas de israelenses pacifistas e anti-ocupacionistas são difamados e ostracizados. Ainda bem que há o suficiente para conviverem em bom número entre pessoas humanas e cultas.
John Kerry, garoto propaganda do Peace Talks, no meio de todas as questões sírias, deu-se ao trabalho de dizer que o prosseguimento da colonização judia na Cisjordânia não era uma razão para os palestinos abandonarem as negociações (!) e de tentar convencer a União Europeia a adiar a medida de boicote contra os produtos e empresas israelenses ligadas às colônias judias ilegais na Cisjordânia.
Israel vem fazendo o mesmo, através de Shimon Peres, desde que a notícia do boicote, postada neste blog, foi divulgada. Batendo em uma tecla surreal.
A última enganação que o governo sionista de extrema-direita fabricou foi para enganar a União Europeia, ou melhor, para convencer os governos europeus e a opinião pública internacional que o boicote das colônias ilegais é mais nocivo aos palestinos do que aos colonos e aos israelenses.
Ou seja, que boicotar o ocupante prejudica o ocupado.
Sei que parece de uma perversidade inimaginável. Mas quando se trata de limpar a barra imunda em que atolam desde 1967, Bibi Netanyahu, Shimon Peres, Ehud Barak, Avigdor Lieberman, etcétera, abundam em criatividade. 
Pois é, a nova tática de Shimon Peres e seus assessores que assediam os diplomatas europeus é esta.
A tática não é nova. Já fazia algum tempo que o Ministério das Relações Exteriores de Israel vinha batendo nessa tecla desavergonhadamente.
Só que agora resolveram contra-atacar as medidas tomadas na África do Sul e na União Europeia  e as vitórias do BDS com uma ofensiva incrível na mídia.
Andam circulando um documento de propaganda junto com os colonos e até um oficial em que tentam "provar" que o boicote seria/é um o tiro nas colônias que sairia pela culatra e atingiria a Palestina.
(Como, se os colonos lhes tiram terra, liberdade e até água?)
Em junho, o embaixador de Israel na ONU defendeu seu país em Assembleia dizendo que “Should Europeans be successful in banning Israeli products from the West Bank, this will bring about the loss of jobs of several thousands of Palestinians”.
Lembrei na mesma hora do argumento que os Afrikaners na África do Sul usavam o mesmo tipo de argumento para justificar o regime de apartheid em que mantinham a população negra. O embaixador de Israel só mudou os sujeitos. Os sul-africanos diziam parallels here with arguments used against the international boycott campaign during the time of Apartheid South Africa, with ANC activists having to tinham o mesmo tipo de argumento contra o boicote internacional. Que “Non-White people will be the first to be hit by external boycotts”.
A História provou que o boicote surtiu efeito e a inclusão da população nativa negra na sociedade não pulverizou a Nação e sim a enriqueceu.
Voltando ao argumento absurdo israelense, ele peca em várias frentes.
Primeiro, a despeito da falsa-preocupação com o bem-estar dos palestinos manifestada pelos lobistas anti-boicote, a situação de penúria à qual os palestinos são forçados é devida justamente à ocupação.
O regime colonial israelense, no cerne do qual estão as colônias, é caracterizado por uma restrição de movimento dos palestinos e discriminação do acesso à terra que são documentados até pelo Banco Mundial e o FMI como maior empecilho ao desenvolvimento econômico da Cisjordânia.
Só para lembrar, as colônias (que a mídia brasileira chama de "assentamento" em uma tradução errônea ou suspeita como a usada pelos estadunidenses) são considerados ilegais pelas leis internacionais. O Conselho de Segurança da ONU inclusive aprovou a  Resolução 452 em que descreve a política colonial como de nenhuma validade legal e uma violação da Quarta Convenção de Genebra com o respeito da qual todos os membros da ONU são comprometidos.
Visão compartilhada pela Assembleia Geral das Nações Unidas e a International Court of Justice.
E é indiscutível e inegável que o impacto das colônias na população palestina é desastroso. A própria Cruz Vermelha constatou o desastre. A ONU idem, quando reconhece que as colônias limitam o livre movimento dos palestinos, e como diz a  Anistia Internacional, representam uma séria violação da proibição internacional de discriminação.
Segundo, ao contrário da impressão dada pela propaganda israelense, os palestinos que trabalham nos assentamento são submetidos a condições degradantes.
Em 2012, o próprio órgão de controle trabalhista israelense publicou um relatório sobre as "zonas industriais israelenses" na Cisjordânia em que criticava, entre outras coisas, “serious environmental hazards” e negligências “in the field of safety and hygiene” ao ponto de “disregard for human life” e “places in real danger the well-being, health and lives of the workers”.
Além disso, 93 por cento dos trabalhadores palestinos nas colônias são privados de representante trabalhista e recebem um salário abaixo do mínimo legal israelense.
As autorizações de trabalho exigem a aprovação do Shin Bet, Serviço de Segurança interna de Israel; e estas são negadas se um parente tiver sido ou estiver preso em Israel - quase todas as famílias palestinas ao longo das décadas de ocupação tiveram um parente de  12 a 75 anos, próximo ou distante, detido nos presídios israelenses. Portanto...
E cerca de 15 por cento dos trabalhadores palestinos nas colônias judias trabalham em terras que o governo de Israel "confiscou" de sua família.
Terceiro, usar os palestinos que trabalham nas colônias como argumento contra o boicote é mais do que cínica. É indecente. Afinal, devido à ocupação - confisco de terras, barragens, restrição de movimento até de empresários- a população da Cisjordânia se encontra sem perspectiva de trabalho. É por isso que aceitam ser explorados nas colônias que tiram proveito de suas próprias terras.
Oitenta por cento dos palestinos que trabalham nas colônias se dizem "louco para deixar este emprego logo que tiver outro para sustentar minha família." É o que se ouve nos checkpoints dos que falam sem medo.
No final das contas, defender o trabalho palestino nas colônias é pior ainda do que defender os sweatshops, de trabalho escravo, na Ásia, com a frase vergonhosa de "pelo menos eles têm trabalho".

E para concluir, o Movimento BDS nasceu dentro da Palestina, no fim da Segunda Intifada, em julho de 2005.
Não é um movimento estrangeiro que dita regras e conceitos aos nativos que sofrem na pele o que os de fora com boa ou más intenções teorizam.
O movimento de boicote conhecido como BDS tem apoio inclusive de organizações sindicais nacionais de peso, como o Palestinian Agricultural Relief CommitteesPalestinian Farmers AssociationPalestinian Farmers Union, e Union of Agricultural Work Committees.
A má-fé de Shimon Peres e do governo israelense é certa. Mas dar ouvidos aos argumentos deles é....
É mais do que paternalismo questionar a vontade dos próprios trabalhadores palestinos e do povo inteiro que quer, antes de tudo, ficar livre da ocupação dos soldados, dos colonos, do muro que invade suas terras, enfim, quer ser independente e livre.
Questionar a validade do boicote individual e europeu dos produtos das colônias judias ilegais na Cisjordânia é uma vergonha. É baixeza.
Contra a força e a violência que o ocupante civil e militar israelense utiliza na Cisjordânia, o único argumento pacifico de peso para obrigar Israel a respeitar as leis internacionais é fazer pressão econômica.
O boicote é legal e facílimo de ser aplicado no quotidiano por todo cidadão do planeta que quiser acabar com a limpeza étnica que há décadas os governos israelenses vêm realizando publicamente na Palestina.

Limpeza étnica que não parou em 2013, apesar das pseudo Peace Talks.
A IDF matou 14 palestinos desde o início do ano. Dez a mais do que no mesmo período em 2012.
Os três últimos assassinados no campo de refugiados de Qalandia no dia 26 de agosto foram a gota d'água para a Autoridade Palestina suspender as negociações. Diga-se de passagem, que os israelenses já haviam comprometido bastante com o anúncio da extensão das colônias ilegais em vez do desmantelamento desejado.
Ora as 1.600 unidades anunciadas são justamente em Jerusalém Oriental, que os palestinos veem como sua futura capital. O que fez que um líder palestino acusasse Israel do óbvio, de estar "dealing a direct blow to peace efforts."
Estava e continua golpeando os esforços de paz de Mahmoud Abbas embora o presidente palestino esteja cedendo tanto que seus compatriotas estão se sentindo mais traídos mais do que defendidos por suas autoridades.
Segundo negociadores palestinos que pediram anonimato, uma sessão de peace talks estava marcada em Jericó para o dia do ataque e por causa dele foi cancelada. Mas os israelenses pareciam ter se esquecido do compromisso pois disseram que o ignoravam.
Nesta incursão militar do dia 26 em Qalandia a IDF deixou muitos feridos. Seis deles em estado crítico.
Um dos três palestinos mortos na hora foi Rubin Abdul Rahman Zayyed, de 32 anos, com quatro filhos, e funcionário das Nações Unidas. Estava a caminho do trabalho, embora o ataque tenha sido de madrugada.
Os dois outros mortos foram Yunis Jahjouh, de 22 anos, e Jihad Aslan, de 21.
O ataque começou às 4:30, como de praxe, bem cedo para pegar as famílias desprevenidas, os trabalhadores se aprontando para ir ao trabalho, os meninos à escola. Para causar o máximo de dano possível sem perda nenhuma.
Por que a população local acorda tão cedo?
Porque os israelenses instalaram em Qalandia um dos checkpoints mais aleatórios e draconianos da Cisjordânia. Um adulto, um ancião, um adolescente, um menino, pode passar horas na fila para ir ao trabalho, ao médico, à escola.
O primeiro ministro palestino Rami Hamdallah, após constatar as perdas, declarou que "Such a crime proves the need for an urgent and effective international protection for our people."
Alguém duvida da necessidade de interferência internacional idônea?
Um menino de 13 anos, acostumado com as "incursões" da IDF disse que "I'm not usually scared when the army invades, but that moment it was hard not to be because of all the shooting. I counted about 10 army vehicles in total and many soldiers marching alongside them shooting randomly.”
O porta-voz da IDF declarou que estavam à procura de um "terror suspect when more than 1,500 Palestinians took to the streets and attacked us with firebombs and rocks."
Bem, há controvérsias ao que a IDF afirma.
Primeiro porque atiraram com bala de verdade e os "cruéis", como os veículos militares israelenses são chamados na IDF, estavam prontos para o ataque e atacaram também de verdade. Não foi bem só com "riot-control munitions" termo usado pela IDF para bala de borracha e gás lacrimogêneo.
Um rapaz de 19 anos foi mesmo atingido por bala de borracha na cabeça quando ia trabalhar: “Everyone was lying on the ground when I got hit.”
Ele teve sorte por ter sido atingido apenas por bala de borracha. Muitos outros tiveram azar.
Live fire was used only after soldiers felt their self defence required it. With the great numbers of people and the way the situation developed forces felt there was no choice but to use live fire.”
Foi o que disse o tenente coronel Peter Lerner que é porta-voz da IDF.
Então a munição de verdade foi levada de última hora por um "cruel" que chegou atrasado?
Os porta-vozes israelenses são fidelíssimos à missão de mentir de cara lavada. Quando a pergunta incomoda se fazem de desentendidos ou simplesmente ignoram o jornalista que questiona a mentira. Se pudessem, ou melhor, se não houvesse prova física das balas reais nos cadáveres e feridos, eles teriam confeccionado uma mentira para a mídia veicular e dar-lhes o papel de bonzinhos, ou melhor, de vítimas. Até neste caso de Qalandia tentaram o recurso de vitimizar-se apesar de estarem errados desde o início.
Afinal de contas, o que este batalhão de soldados muito bem armados foi fazer em Qalandia de madrugada? Sequestrar Yusuf Khatib, um rapaz de 25 anos, de quem dizem suspeitar de tráfico de armas, foi a desculpa dada. Com que direito legal internacional?
Falei neste ataque de Qalândia hoje, embora tenha sido em agosto e ataques deste tipo (apesar de ignorados pela grande mídia) serem bastante frequentes, porque me marcou não sei porque cargas d'água.
Este tipo de operações comuns ainda em 2013, em plena Peace Talks made in USA, só servem para aumentar o ressentimento e o sentimento de impotência dos jovens.
Um universitário de 19 anos que conseguiu sair ileso das balas que mataram o jovem Jihad na casa da frente, concluiu dizendo desolado: “They are using terrorism against us and we must resist with all means. The resistance decision is the only decision, the only way.”
É o que Binyamin Netanyahu está buscando com sua limpeza étnica incontrolada, uma Terceira Intifada?


Abaixo, para "celebrar" os 20 anos dos Acordos de Oslo, o  documentário que inspirou o títudo do blog de hoje.
Palestine Is Still the Issue, foi produzido pela Carlton Television inglesa. O documentário foi inspirado no livro da jornalista israelense Amira Haas Drinking The Sea at Gaza.
O jornalista australiano John Pilger (baseado em Londres) fez este documentário em 1977.
Em 2002, durante a Segunda Intifada, John voltou à Cisjordânia e constatou que a questão Palestina continuava a ser a questão moral contemporânea pendente e levou seu documentário de volta às telas.
É um "classico" sobre o conflito, ao ponto de ter virado quase de domínio publico.
Eis abaixo a apresentação feita pelo autor.
"This is a huge bluff of the Israeli establishment, that every criticism of its’ policy is anti-semitism."
“The fate and struggle of the Palestinians are not just critical to the overdue recognition of their basic human rights, but are also central to whether the region, and the wider world, are plunged into war. Israel is now one of the biggest military powers in the world. While nothing changes, the dangers become greater. This is a film about a nation of people, traumatized, humiliated and yet resilient. In trying to liberate less than a quarter of historic Palestine, they have had no army, no air force, and no powerful friends — and have fought back with slingshots and now with the terrorism of the suicide bombers."
Dez anos mais tarde, em 2013, o problema continua o mesmo.
Uma das razões desta ocupação insuportável e inadmissível, talvez seja por causa da má... escolha dos chefes dos governos ocidentais de seus conselheiros para o Oriente Médio. Quase sempre, estes "conselheiros" são judeus sionistas ou simpatizantes israelenses em vez de pessoas imparciais preocupadas em agir de forma justa e conforme a justiça internacional.
Se um dos grandes ocidentais do G20 nomeasse um compatriota de origem palestina (até um competentíssimo) para tal cargo, as críticas choveriam ou não choveriam? Mas quando se trata de um judeu, ninguém diz nada porque tem medo de ser chamado de anti-semita.

Documentário da  Carlton TelevisionPalestine Is Still the Issue (52'). 
Escrito e apresentado por John Pilger. Dirigido por Tony Stark.


Noam Chomsky sobre USA e armas químicas

Reservista da IDF Breaking the silence 
sobre a mão-de-obra palestina nas invasões judias do Vale do Jordão
We had a very tough time with this, morally speaking. This whole checkpoint was about Palestinians coming to work for Israelis in the Jordan Valley. It's just loaded with Israeli exploitation of Palestinians. Loaded.
How do you see this at the checkpoint?
There's the date harvest, the Palestinians are paid something like 50 shekels.
Do you see this at the checkpoint?
Of course. I know how much they're paid. They come every day at four in the morning or five o'clock, and go back at seven in the evening, exhausted. You see a guy exhausted from having worked hard all day, physically, and they receive 50 shekels a day. Great, I mean for date picking that's what they get. That's what the workers get. Now, I see this. Not only do they get 50 shekels for a day's work, but on top of that I stand on them, they have to wait at my checkpoint and undergo that humiliating procedure of inspection. I mean, this whole checkpoint is in fact an economic checkpoint. You feel you're on checkpoint duty not for the sake of Israeli security but for Israel's bank account.
How is that related to the checkpoint?
Who goes through that checkpoint? Only Palestinians working in the Jordan Valley. They have nothing to look for there, just their livelihood. Nothing else. I mean, because of this livelihood there are families in between the areas, but originally the people from Akraba and the hill villages have nothing to look for in the Jordan Valley. These are two separate populations. Nowadays it's already very connected, because when you work somewhere you get connected, and families come into being and stuff. But I am standing at that checkpoint so that Palestinians without work permits will not come through.
Why should I mind their not having work permits?
Officially, from a security point of view, because they were not cleared.
But what does that mean, not cleared? Do you know what prevents a person from getting a work permit?
Listen carefully: if a relative of the fourth degree, meaning your uncle's grandfather, had once thrown a stone back in 1948, I'm not kidding you now, then you don't get a work permit.
How do you know that?
I know that because we once asked a GSS agent about the criteria. We were told there is a very clear definition. If any family relation – fourth degree down – has ever been charged with an act of violence against Israel, no work permit will be issued. That's one of the criteria. Now show me a person, I mean what's the percentage of the population? Nothing. We're at war with them for over fifty years now, clearly someone somewhere back on the family tree had thrown something sometime, you see? Now everything's documented. So you get a 16-year old boy, all smiles, and the grandfather of the father of his brother is the guy who threw a Molotov cocktail in 1962. Now why would this guy bypass the checkpoint – to go on a terrorist attack? No. To get a day's work done. So I'm his checkpoint for economic interests. Cool. Great. It's shit. Beyond capitalism, socialism, never mind. Why do I as a soldier have to watch out for the bank accounts of the Jordan Valley settlers? No reason in the world. That's corrupting occupation at its worst. Pure economic interests.

 


domingo, 8 de setembro de 2013

Israel vs Palestina : História de um conflito XXXIX (1-2 2004)


O ano de 2003 terminou no sangue. 2004 continuou na mesma linha purpúrea da campanha da IDF de varredura na Cisjordânia.
Os soldados israelenses passaram dias indo de cidade a cidade bombardeando, invadindo casas de madrugada, aterrorizando famílias, bloqueando acesso a escolas e trabalho, enfim, procedendo conforme estavam acostumados.
Enquanto um deles matava um palestino na Faixa de Gaza, nas primeiras operações de janeiro na Cisjordânia, Nablus foi a mais visada. Lá, a IDF matou três rapazes e feriu dezenas de pessoas em operações terrestres e aéreas sem descanso.
Durante o enterro dos mortos nabluenses, o número de vítimas aumentou quando um adolescente de 17 anos levou um tiro na cabeça.
O garoto não estava jogando pedra, nem se revoltando contra uma das inúmeras barreiras arbitrárias que o impediam de ir à escola, nem protestando contra a ocupação em passeata. Estava em um funeral. Carregando o caixão do primo de 15 anos baleado na véspera.
Enfim, nada de extraordinário. Não mereceu nem uma linha em jornal ocidental.
De mãos livres, as investidas da IDF aumentaram de intensidade e cinco dias mais tarde, dezenove pessoas estavam presas e três sendo enterradas.
O bombardeio de Nablus, a maior cidade da Cisjordânia, duraria três semanas e dificultaria o trabalho do Primeiro Ministro Ahmed Qorei e da ONU.
Aliás, parecia provocação de Ariel Sharon. Para mostrar às Nações Unidas que era ele que estava no comando. Além de reiterar que Israel não dava a mínima importância ao Tribunal da Háguia. Era um Estado marginal, delinquente "por excelência" desde sua criação unilateral, e as nações desunidas que engolissem o sapo de bico calado.
Trocando em miúdos, a ONU e a Iniciativa de Genebra que se danassem com suas ideias malucas de Justiça e Paz.

Os bombardeios noturnos pareciam intermináveis.
Nablus é a que mais sofria, mas os Apaches varriam outras cidades e várias cidadezinhas agrícolas.
Em Ramallah, os dirigentes palestinos entenderam a jogada e botaram a boca no trombone: Ariel Sharon está sabotando as negociações de propósito.
Queria que a Intifada continuasse para que pudesse justificar, bem que mal, a limpeza étnica que há anos praticava?
Era o que parecia.
A comunidade internacional deu-lhe tampinhas nas mãos, mas não conseguiu pará-lo. Com os Estados Unidos do lado, Ariel Sharon não temia ninguém e nada.
Ou melhor, temia os atentados suicidas. Mas até isso ele achava que conseguia parar com seu muro e ataques noturnos, na calada.
Seu ódio o impedia de ver o óbvio. Quanto mais aterrorizava, humilhava, prendia, torturava, matava, mais as vítimas se revoltavam e queriam demonstrar que não eram simples animais como ele achava. E sim seres humanos que sentiam, sofriam e raciocinavam.
Após três semanas de ataques da IDF ininterruptos em lugares variados, o Primeiro Ministro palestino Ahmed Qorei, no dia 11 de janeiro, apelou para a comunidade internacional para que pressionasse Israel como se fosse um Estado qualquer do planeta.
Não para que Sharon parasse seus bombardeios e invasões de casas - Qorei sabia que esta era uma luta perdida meses atrás - e sim para que parasse a construção do muro de separação que abocanhava terras da Cisjordânia aumentando a revolta de seus compatriotas despojados.
Ahmed Qorei denunciou também que a nova onda de ataques militares dos ocupantes era provocação clara e nefasta. As mortes picadas, os feridos que se amontoavam, tinha efeito psicológico de revolta e vingança dos familiares. Qorei via que as negociações de paz estavam sendo propositalmente sabotadas e temia que a animosidade de seu lado aumentasse. Estava difícil segurar até o Tanzim, a ala de resistência militar do Fatah, que queria revidar e não esperar sentado que as negociações fossem respeitadas. O Hamas então, nem se fala.
A Primeiro Ministro palestino fazia das tripas coração para manter a calma dos grupos de resistência militar. Até de muitos políticos do Fatah, que diziam que "o único argumento que Ariel Sharon escuta é o que conhece e usa em abundância, o da violência."
Quanto a Yasser Arafat, bem, ostracizado e odiado por Tel Aviv e Washington, ele trabalhava nos bastidores. Era Ahmed Qorei que mostrava sua cara moderada e falava pela Autoridade Palestina.

Do outro lado da Linha Verde, seu homólogo estava surdo às vozes moderadas. O espírito belicoso do Primeiro Ministro israelense falava mais alto que o bom senso. Ordenou que a IDF continuasse a martelar a Cisjordânia e a Faixa de Gaza.
Nesta operação, foi Netzarim, uma cidade da Faixa, que pagou o pato. No final do bombardeio quatro militantes do Jihad Islâmico e um do Hamas eram velados.
No domingo mais três palestinos foram mortos, cerca de 85 detidos, onze casas foram demolidas.
Aí não deu mais para segurar os grupos de resistência militar.
No dia 14, por volta das 9:30, uma bomba-suicida explodiu no terminal de pedestre do Erez Crossing (barreira principal para entrar e sair da Faixa de Gaza). A moça infiltrou-se no corredor de inspeção e explodiu com três soldados e um civil. Dez pessoas ficaram feridas, inclusive quatro compatriotas da moça.
A reivindicação do ataque foi conjunta. Das Brigadas dos mártires de al-Aqsa, ala militar do Fatah, e do Hamas.

A represália veio em seguida.
O primeiro alvo foi uma mesquita. Depois dezenas de civis, dentre eles várias mulheres. E no dia 25 as cadeias israelenses já detinham mais dezenas de palestinos sem acusação explícita.
Enquanto isso, em uma negociação monitorada pela Alemanha, Israel procedia a uma troca de prisioneiros com o Hezbollah.
Três soldados israelenses mortos e o coronel da reserva Elhanan Tannenbaum - sequestrado pelo Hezbollah em Dubai em 2000 - seriam então trocados por 400 palestinos e 30 libaneses. Dentre estes, os líderes do Hezbollah ash-Sheikh Abdal-Karim e Mustafa Dirani. Os cadáveres de 59 libaneses também seriam devolvidos para enterro.
Israel procedia a esta permuta em um lugar e em outros lugares dos territórios ocupados repunha a "perda" dos quatrocentos prisioneiros prendendo mais do que os que foram soltos.
A troca foi uma cortina de fumaça que mostrou, mais uma vez, quão pouco valia a vida de um palestino. Para os israelenses, naquele dia, a vida de um compatriota custava a de 400 palestinos. O preço aumentaria proporcionalmente ao desprezo pelos ocupados.
(Ainda há cerca de 4.700 prisioneiros políticos palestinos em Israel).

Esta troca de homens e cadáveres foi um fato isolado que não impediu que a IDF continuasse martelando seus alvos habituais.
Em um dos bombardeios deixou oito mortos e vários feridos - em Al-Zaitoun, no sudeste da Faixa de Gaza.
No dia 29 a resposta conjunta do Fatah e do Hamas foi contundente.
As Brigadas al-Aqsa e a ala militar do Hamas reivindicaram um atentado mais violento e de relevância política. Na Jerusalém ocidental ocupada.
Um pouco antes das nove horas, Ali Yussuf Jaara, policial de Belém, explodiu no ônibus Egged 19 na esquina das ruas Arlozorov e Gaza.
A mensagem não deixava dúvidas. Além do nome da rua, a explosão ocorreu perto da residência oficial do Primeiro Ministro de Israel. Localizada em zona ilegal.
O bomba-suicida de 24 anos levou consigo onze pessoas e deixou atrás de si cerca de 50 feridos. Treze deles em estado grave.
(A carcaça deste ônibus, acima, virou "relíquia" israelita.
Primeiro foi usado como propaganda sionista na Háguia - foi exposto fora do tribunal durante o processo contra Israel e a construção do muro. Com o objetivo de comover os juízes e fazê-los julgar em favor do ocupante em vez do ocupado.
Depois o ônibus foi levado para os Estados Unidos e exposto em várias cidades e universidades estadunidenses, a fim de angariar simpatias para a campanha de expansão israelense.
Hoje está em "exposição permanente" no Camp Shoresh - acampamento judeu de férias em Adamstown, no estado de Maryland. A fim de perpetuar a cultura do ódio e da leitura deturpada da história da ocupação da Palestina.)
A mídia isralense e a internacional deram bastante espaço a esta tragédia. Embora no total, contando os dois ataques suicidas, Israel terminasse o primeiro mês de 2004 lamentando a perda de "apenas" 16 cidadãos. Todos identificados por nome, foto, e lamentados copiosamente.
A Cisjordânia e a Faixa de Gaza, ao longo do mês de janeiro até o dia 31 enterraram em grupos ou separados 28 palestinos vítimas de bombardeios ou de tiros ao alvo.
A cara de nenhum deles foi estampada em manchetes. Nem as das dezenas de famílias cujas casas foram demolidas, terras desapropriadas, filhos e pais detidos, muitas vezes, por nada.
E para completar a vingança cega da IDF, no dia 31 de janeiro Belém recebeu uma visitinha rápida dos Apaches para a população da cidade fechar o mês apavorada.
Os Apaches forneceram apoio aéreo à operação de retaliação que seus soldados executavam embaixo. Como de praxe, a casa de Yussuf foi dinamitada para que a família toda ficasse ao Deus dará.

No dia 02 de fevereiro Ariel Sharon convocou a imprensa para dar a notícia inevitável: desmantelaria todas as colônias judias instaladas na Faixa de Gaza. Não explicou porquê e nenhuma data foi dada.
Os palestinos celebraram ressabiados (esperando o golpe baixo), e os ânimos se acalmaram.
Por pouco tempo.
Longe do Primeiro Ministro querer semear concórdia por mais de uma hora.
O desmantelamento das tais colônias não eram uma concessão e sim uma necessidade. Em um território exíguo e superpopulado como a Faixa, era quase impossível garantir a segurança dos colonos. Além disso, a água estava a ponto de esgotar-se. Além disso, ele queria o campo livre para bombardear em médio prazo.
A curto prazo, Shraon estendeu uma mão e bateu pesado com a outra.
Primeiro no dia 07, prosseguindo a campanha de assassinatos de dirigentes palestinos iniciada no governo de Ehud Barak.
Apaches sobrevoaram Gaza no sábado e, de repente, ouviu-se o estrondo característico dos mísseeis.
O alvo destes era o carro de Aziz al-Shami, alto dirigente das Brigadas de Jerusalém do Jihad Islâmico e cunhado e guarda-costas do líder do Jihad Abdallah al-Shami.
Um menino de 12 anos que se encontrava nas paragens fez parte dos "efeitos colaterais" de praxe.
No dia seguinte, outro menino de 11 anos e um adolescente estavam entre os seis palestinos mortos em outro ataque à Faixa de Gaza. Uma criança de cinco anos foi transportada para o hospital in extremis junto com mais 14 feridos. Aí os ânimos voltaram a alterar-se.
Ahmed Qorei avisou Ariel Sharon que ele estava brincando com fogo ao retomar a campanha de assassinatos.
A resposta de Sharon foi invadir Rafah e sediar o bairro Al-Salam com um batalhão de tanques apoiados pelos Apaches estadunidenses.
A presa que caçavam era um dos líderes do Hamas, Ashraf Adnan Abu Libdah. O domingo de manhã foi marcado por esse sítio de um batalhão de soldados, tanques, com tiros esporádicos, para liquidar um só homem.
No dia 11 a IDF voltou à carga na Faixa.
Atacou por ar Gaza e Rafah de maneira desvairada. Em mais uma encenação do clássico cinematográfico Apocalipse Now. (Aliás, parece que os comandantes da IDF são fãs incondicionais desse filme que desde 1967 repetem incansavelmente na Cisjordânia e em Gaza.)
No final da investida quinze mortos jaziam no solo. Dentre eles, 5 militantes do Hamas, 2 do Jihad e 2 policiais da AP. Os feridos enchiam os postos de saúde.

Dez dias mais tarde, um bomba-suicida das Brigadas al-Aqsa explodiu na Jerusalém ocidental ocupada.
No domingo de manhãzinha Mohammed Zaul, de Husan na Cisjordânia, entrou no ônibus israelense 14a que se dirigia ao centro. Quando o ônibus chegou ao parque Liberty Bell, na beira de Emek Refaim, rua principal da colônia judeo-alemã, ele puxou o detonador e explodiu por volta das 8:30 perto do hotel Inbal, onde estava havendo um encontro de organizações judias proeminentes nos Estados Unidos.
O jovem de 23 anos levou consigo oito israelenses. Deixou atrás de si cerca de 60 feridos, inclusive 11 meninos.
Onze era o mesmo número de meninos palestinos assassinados pela IDF nos dois primeiros meses de 2004. O número de crianças aleijadas pelos ataques era de dezenas.
Na mídia dos dois pesos e das duas medidas, a repercussão do atentado e dos onze meninos israelenses hospitalizados foi enorme e deu munição para os defensores do muro.
Como se o muro fosse uma solução e não uma das razões principais das operações militares da resistência.

No dia 24 de fevereiro a International Court of Justice começou o julgamento da ilegalidade do muro israelense.
Do lado de fora os partidários da ocupação exibiam a carcaça do ônibus 19 como argumento em favor do acusado.
Do lado de dentro, os palestinos demonstravam a ilegalidade do muro que invadia seu território, separava famílias, dividia lavouras, surrupiava as terras mais fertéis herdadas dos antepassados.
Enquanto os juizes internacionais discutiam, a IDF invadia Ramallah com um batalhão de tanques e veículos militares apoiados por Apaches que sobrevoavam a cidade enquanto os habitantes ouviam ordens vindas dos tanques de ir para casa.
Os oficiais israelenses impuseram toque de recolher, cercaram o centro da cidade com arame farpado e, de repente, a Mukata'a de Yasser Arafat estava de novo sitiada e a Autoridade Palestina cerceada.
No dia 28 foi a polícia militar israelense que invadiu Al-Haram al-Sharif, um sítio religioso islâmico. O objetivo era parar uma manifestação pacífica de protesto contra o muro. Os meios foram os mesmos utilizados nas cidades da Cisjordânia que protestavam e pediam intervenção internacional.
O segundo mês do ano acabou assim. A Háguia em discussões diplomáticas; a IDF reprimindo os protestos; Israel clamando vingança por seus 11 mortos em Emek Refaim; a Palestina terminando de enterrar seus 51 mortos no mês de fevereiro.
Na verdade, este mês acabou mesmo com a execução de Ayman Dahdouh, um dirigente do Jihad. No atentado morreram mais dois palestinos e quinze sofreram ferimentos mais ou menos graves.
No mês de março a campanha de assassinatos continuaria. O alvo seria um dirigente do Hamas eminentíssimo. Como se o Hamas existisse por causa de um só homem e não por causa da situação crítica em que os gazauís se encontravam.

Documentário Journeyman: The Dividing Wall - Israel/Palestine (25')