domingo, 30 de janeiro de 2011

Tunísia, Egito... o fogo da liberdade se alastra



Atentados mortíferos em Moscou, Bagdá, Kandahar, o chão que treme no Líbano, na Jordânia, no Yemen com as passeatas nas ruas de Beirute, de Amman e de Sanaa..., a semana foi carregada... Culminou com dois acontecimentos geopolíticos incontornáveis: os Palestine Papers divulgados pela TV Al Jazeera e o fogo de revolta que saiu da Tunísia, saltou a Líbia e se alastrou pelo Egito, em Suez, Alexandria, Cairo até queimar o país de Abu-Simbel ao Sinai.
Os Palestine Papers serão abordados em outra oportunidade.
Hoje vou falar sobre o Egito onde Hosni Mubarak luta contra uma revolução que poria fim à sua ditadura “democrática” de 30 anos e que tiraria dos EUA um de seus aliados mais úteis no Oriente Médio.
“Poria” "tiraria" porque como se sabe, tendo de escolher entre um governante árabe que garanta a seu povo democracia, melhores condições de vida e um ditador corrupto que defenda os interesses de Israel e dê uma pseudo-segurança contra o fundamentalismo islamita, os EUA tradicionalmente optam por este último. É aquela política do façam o que eu digo e não o que eu faço. Democracia é bom, mas em casa. Para mim, liberdade, e cabresto para os demais.
Só que o problema com os ditadores é que estão muito distantes do povo, embora sua polícia (esta vestida de preto de cima abaixo) esteja por toda parte. E cedo ou tarde o eco da insatisfação popular reprimida fica alto demais para ser abafado e explode em uma onda de energia que se alastra, atualmente, pela internet, através da qual os jovens se comunicam como a minha geração batia papo nos bares.
Quem conhece o Egito sabe de suas universidades caindo aos pedaços, favelas se alastrando como praga, redes de esgoto se aproximando cada vez mais da insalubridade...
Quem já esteve no Cairo sabe do caos urbano que atola a capital, apesar de seu charme.
Parece que não tem verba para nada, mas dinheiro não falta. A corrupção parece só perder para a tecnologia que permitiu a Hosni Mubarak, em um gesto de desespero político, tirar a internet do ar esperando assim evitar a comunicação e parar as passeatas.
E resolveu falar. Tudo errado. A tensão estava em sua cara e não inspirou respeito, só raiva. Achando que se safaria com um bode expiatório que fizesse esquecer que é ele que é visado, demitiu seu ministério e cometeu um erro crasso. Nomeou como primeiro ministro o chefe de seu Serviço Secreto, o septuagenário Omar Suleiman que já sofreu três ataques cardíacos e é o seu negociador com Israel que passou meses de sua vida, se não anos, entre Jerusalém e Tel Aviv. É inacreditável. Provocou risadas entre os egípcios, pois mostrou quão escassos são seus quadros e que está cada minuto mais acuado.
O Egito está em chamas e o Cairo parece um campo de batalha. Daqui a pouco vai lembrar Bagdá, se Mubarak conseguir se proteger em uma Zona Verde e declarar o resto da cidade Vermelha. Aliás, é quase isto, segundo alguns habitantes que já estão formando milícias em seus bairros para protegê-los da pilhagem de marginais, deixados à vontade pela polícia para semear a anarquia e o caos.
E tudo começou de maneira espontânea. A fórmula foi a da Tunísia. A organização das passeatas foi feita através de Facebook, Twitter e celulares. O Cairo começou a ferver, a tensão era palpável, em Suez as armas dos beduínos substituíram os slogans dos estudantes da capital e a passeata de sexta-feira seria a gota d’água que faria naufragar Mubarak... Mas na madrugada do dia chave a internet saiu do ar. Telas escuras e silêncio total. Era como se fosse a Faixa de Gaza bombardeada quando os Israelenses bloquearam a rede de contato ou na Birmânia quando o ditador de lá, enquanto massacrava os monges, “desligou” os celulares – aliás, o governo chinês cortou há pouco o Egito de todas as comunicações de Twitter e similares... A cara da ditadura muda, mas os métodos são os mesmos em toda parte.
Para jornalista, não poder se comunicar é um pesadelo do qual só pensa em acordar. Os mais antigos na praça correm atrás do velho Telex por onde antigamente a informação circulava, mas onde encontrar uma máquina dessas em bom estado? Para transmitir algo, neste caso, só atravessando a fronteira, mas para onde? Sudão ou Líbia? Foice ou punhal?
O jeito foi esperar testemunhando o que passava.
O “velho” Mubarak está bem preparado, bem armado e parece querer resistir até não poder mais. Trinta anos no poder, um simulacro de democracia com a qual até alguns dias controlava o campo e as cidades... Ele estava tão preocupado em agradar os aliados ocidentais que não viu o tempo passar, o país naufragar, a população mudar, os camponeses deixarem de ser majoritários e seus filhos começarem a reivindicar liberdade e maiores oportunidades.
Quase dois terços dos habitantes nasceram durante o governo Mubarak e destes 50 e poucos milhões, 24 têm menos de 20 anos. Saem da escola, da faculdade, sem perspectiva, sem trabalho e com tempo de sobra para surfar na internet, informar-se e sonhar.
Os tunisianos mostraram o caminho e os jovens egípcios os seguiram sem pestanejar.
E o Egito tem um líder potencial de peso que falta à Tunísia: Mohamed ElBaradei, ex-presidente da Comissão Nuclear das Nações Unidas, e desde o fim do seu mandato diplomático, o mais forte candidato democrático à sucessão de Hosni Mubarak.
Na quinta-feira ElBaradei saiu correndo de Viena, onde reside, para o Cairo. Alguns dizem que lhe faltou faro político, pegou o bonde andando, chegou tarde.
É verdade que se o Prêmio Nobel da Paz quisesse ser o presidente da vez deveria ter pego o avião no dia em que Ben Ali foi escorraçado de Tunis para capitalizar a revolta contra os 30 anos de “reinado” de Mubarak. Mas ElBaradei não foi para o Egito atrás de cargo, segundo fala. Foi para catalisar, mostrar a cara conhecida em todos os palácios do mundo civilizado e assegurar uma transição democrática até a organização de eleições honestas em que todas as facções do país estejam representadas.
Aos 68 anos e uma carreira internacional independente de pressões e até hoje sem falha, como diz o escritor Alaa Al-Aswany, sua figura simboliza tudo pelo que as ruas estão em batalha. E o ditador de 82 anos sabe desta ameaça. ElBraradei levou um jato d’água como qualquer manifestante e depois seguiu o conselho de ficar em casa até a hora de mostrar a voz e a cara ao povo que deu ouvidos às suas palavras.
A revolta está virando revolução de hora em hora. O processo parece irreversível. Da Casa Branca Barak Obama cobrou as mudanças prometidas por Mubarak. Agora é tarde. Teria de aconselhar Mubarak a retirar-se e entregar a chave a ElBaradei para que este arrume a casa enquanto a revolta é laica... Mais uma demonstração da perigosa miopia geopolítica de Washington. Hillary Clinton, por sua vez, fez o discurso errado, ameaçando cortar a ajuda de 1.5 bilhões de dólares... Seu despreparo geopolítico é deplorável... falar em dinheiro quando a questão é de autodeterminação, liberdade... está no limite da decência diplomática. Era melhor ter ficado calada. Mesmo porque este dinheiro não era do povo que está nas ruas. Estas estão lotadas de homens e mulheres que preferem batalhar no trabalho para se alimentar e decidir seu próprio destino do que bilhões de dólares que vão parar em mãos erradas que não contribuem com nada. Depois Hillary ouviu a voz da razão e entendeu que era melhor mudar de lado e apoiar uma transição pacífica.
Esta revolta no Egito é popular. E pelo menos por enquanto é laica. Na sexta-feira as ruas se encheram depois da oração do meio-dia nas mesquitas e no domingo é a vez dos Coptas se juntarem às passeatas após a missa. Pouco se ouve, fora nos enterros, a frase corrente nos países árabes: Allah AlAkbar! (Deus é grande), os jornalistas estrangeiros são bem-vindos, não se queima bandeira americana e a palavra de ordem de muçulmanos e cristãos em uníssono é Kefaya! Basta; é quase como se o país tivesse amadurecido, se olhasse por dentro e por fora, e assumisse sua responsabilidade pela situação em que se encontra sem procurar falsos culpados.
Um colega norte-americano conjeturou sobre o cansaço da massa daqui a alguns dias e Mubarak continuar como se tivesse sido apenas uma onda que passa como no Irã no ano atrasado. Parecia mais uma esperança, o que verbalizava. O Egito não é o Irã. E para que não vire, os EUA, a França, a Inglaterra e a Alemanha têm de ficar de fora, calados publicamente (e ao telefone com Mubarak para que este limite os estragos, no país e pessoais) e deixar a água rolar sem opinar como fizeram no Irã no ano atrasado minando a revolta nacionalista contra Ahmadinejad.
Por enquanto o Exército, que beneficia de farta verba dos EUA, está relativamente quieto. Mas seu comandante, general Tantawi, é amigo pessoal de Mubarak, e pelo que consta, estava em Washington enquanto a polícia atirava no Cairo. Para quê estava lá, só dá para imaginar. Se a ordem que recebeu foi de apoiar Mubarak custe o que custar, vai ser um massacre. Se a ordem foi de aconselhar o amigo a renunciar e assegurar uma transição calma, os soldados estão prontos para acatá-la e gritar Kefaya.
Pois o que se ouve por todos os lados é uma frase simples: Só queremos a demissão de Mubarak e eleições democráticas. E nas ruas, os gritos aconselham Mubarak a pegar o avião e escapar. Para a Arábia Saudita, quem sabe?
Liberdade era o que nós brasileiros queríamos em 1994. Sem luta, sem sangue, só com o povo na rua reivindicando seus direitos inalienáveis. Nossos militares entenderam que era o fim da linha, que estava na hora de deixar os brasileiros decidirem que rumo tomar.
Se os EUA deixarem, os egípcios estão prontos para seguir nossos passos.
A sensação é de que tudo é possível. Da guerra civil, caso Mubarak se agarre ao poder com mais armas, a uma revolução em que realmente as coisas mudam. Do nada ao tudo. Tudo ou nada.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Palestine Papers



Al Jazeera investiga e denuncia: PALESTINE PAPERS. Os bastidores das negociações Israel/USA & Autoridade Nacional Palestina

Day 1 
 Day 2https://youtu.be/B_DemcnWGHg
Day 3: https://youtu.be/GcAW5DmIONw
Day 4https://youtu.be/8RFUE5RNaog

domingo, 23 de janeiro de 2011

Onda revolucionária nos países árabes?



Alguns leitores deste blog estão curiosos em saber se vai mesmo ter uma avalancha revolucionária nos países árabes deslanchada pela revolução tunisiana, e onde está a verdade no alarde mediático.
Onde está a verdade verdadeira só o futuro sabe.
O que sei é que se dependesse só da má qualidade de vida, das baixas perspectivas de crescimento individual e da insatisfação dos jovens nos países vizinhos da Tunísia, eu diria que a bola de neve rolaria pelo menos até a Argélia. Diria também que na Tunísia o que aconteceu foi uma verdadeira revolução que trará mudança tanto política quanto ideológica concreta e que nem os fundamentalistas vão conseguir dominar quem não quer mais ser dominado; sobretudo após ouvir um tunisiano que prezo falar entusiasmado sobre o descontentamento geral e solidário (de fato, palpável) e que tendo provado o gostinho da liberdade de ação e de palavra, o povo não vai voltar ao medo que o levava à passividade.
Eu gostaria de acreditar pelo menos nas últimas linhas do último parágrafo. Vendo o arrebatamento deste e de outros tunisianos confesso que um sorriso prazeroso me veio aos lábios. Lembrei o movimento brasileiro pelas Diretas, as passeatas, a esperança de estarmos saindo das trevas e que a luz estava voltando a brilhar em todos os estados. Contudo, o Brasil tinha uma oposição organizada, com quadros políticos e intelectuais maduros, inexperientes, mas prontos para governar, e no nosso país, desde a independência, tudo acontece sem extremismo e sem trauma – os anos de ditadura são uma aberração que destoam da nossa pauta.
Na Tunísia tem um porém importantíssimo que não há como descartar: o presidente Ben Ali fugiu com o ouro do Estado e a família de sangue, mas sua família política continua lá, liderada por Mohamed Ghannouchi, com 20 anos de fidelidade ao presidente escorraçado. Para completar, o que se ouvia nos países árabes sobre a Tunísia antes da onda democrática, era que toda a população adulta trabalhava direta ou indiretamente para a polícia de Ben Ali. Ora, a polícia lá tem o peso do exército no nosso lado. Ben Ali é um ex-policial que governou com o apoio total de seus companheiros de arma que somam milhares e deixou o exército de lado – daí o apoio imediato dos soldados e da hierarquia militar ao povo revoltado. E ao fugir, Ben Ali prometeu aos seus assessores policiais imediatos que ia voltar. Promessa é dívida para os que aproveitavam do sistema e por isto o aparelho ainda não foi e só será desmontado na marra. O perigo da guerra civil ainda não foi descartado.
O outro dado importante é que a França, a Inglaterra, a Alemanha e os Estados Unidos sempre apoiaram os ditadores africanos e árabes, os quais de uma maneira ou de outra o grupo junto ou separado quase ajuda a empossar e depois sempre fecha os olhos para o autoritarismo que estes ditadores cedo ou tarde acabam instalando para ficarem.
Ben Ali é um arquétipo que realça no contexto atual, mas como ele existem presidentes, emires, sheiks e monarcas autoritários espalhados por todo o mundo árabe. Os países ocidentais influentes os deixam livres para reprimir o povo e pilhar o patrimônio nacional contanto que conservem o extremismo muçulmano bem vigiado e domado.
O que o Ocidente não vê, (como não via no nosso Cone Sul durante a guerra fria em que o mal absoluto era o comunismo do Kremlin e não Ben Laden – Bons tempos aqueles! dizem hoje em salas fechadas), é que o resultado de autoritarismo + desemprego + pobreza + corrupção desenfreada é uma bomba relógio, uma catástrofe anunciada.
A farsa do Iraque foi um desastre para o mundo árabe. Afinal, Saddam Hussein era um Pinochet em versão árabe, apenas um ditador a mais e era o único que realmente combatia Ben Laden. Hoje o Iraque também virou uma presa fácil, como os demais.
Não porque os árabes tenham todos tendência fundamentalista, dizer isto seria como afirmar que todo judeu é sionista extremista, e ambas asserções são inflamatórias e falsas. Mas sim porque a diferença entre o padrão de vida dos governantes e dos governados é grande demais para ser suportável. Em países como a Argélia, onde a riqueza do solo é parasitada por um clã político, ou em outros, por uma dinastia insaciável que se enriquece com grande evasão de divisas – o dinheiro é gasto em casa, mas muito mais fora – o ressentimento corrói até os ossos e Allah parece a única solução honrada.
No século XXI, no Ocidente o Islamismo substituiu o comunismo no consciente e no inconsciente de medo coletivo. Mas como os comunistas, os muçulmanos não comem criancinhas, e não são todos barbudos e bitolados. É claro que a falta de perspectiva e lavagem cerebral podem transformar até um jovem recém-diplomado em soldado de Ben Laden. Mas se fosse assim tão fácil e se tivesse tantos candidatos, o mundo ocidental já teria vindo abaixo, já que há 1 bilhão e 200 milhões de muçulmanos nos quatro cantos da Terra. Os judeus são 14 milhões. Os cristãos são dois bilhões.
Como os EUA sabem melhor do que ninguém que estes números não significam influência, (se significasse, a Palestina – cristã e muçulmana – já seria uma nação independente), vivem em constante estado de alerta. Por isto quem está esperando uma onda revolucionária seguida de outra democrática nos países árabes pode esperar sentado senão cansa.
Alemanha, França, Inglaterra e Estados Unidos da América, falam e falam em ajudar a democratização e em apoiar democracias emergentes nos países árabes, mas cada vez que um presidente é eleito, governa para si e para seu clã, mais cedo do que tarde acaba corrompendo o sistema eleitoral para se perpetuar e os quatro grandes lhes dão um tapinha na mão de vez em quando enquanto seus bancos recebem o ouro roubado e as boas intenções vão por água abaixo.
Ben Ali é o padrão da hipocrisia ocidental e árabe. Até o mês passado o renegado (em sentido próprio e figurado) era recebido em todas as capitais por chefes de estado e empresários sem que ninguém questionasse sua integridade. Hoje todos o repudiam e desaprovam sua corrupção da qual beneficiavam em negócios milionários.
O poder político dos quatro grandes, sobretudo dos EUA, é tão grande por aqueles lados que mesmo estando tão apavorado quanto os vizinhos autoritários, o rei da Arábia Saudita não teve como recusar refúgio a Ben Ali. Aliás é o mesmo país que recebeu o sanguinário Idi Amin Dada em 1979.
A palavra de ordem nos palácios dos governos árabes é não desagradar os EUA, cliente petrolífero e dono de bases militares autárquicas inclusive na Arábia Saudita (onde a Meca está situada – versão muçulmana do Vaticano, sem um papa). E as bases são sólidas e estão para ficar.
Os déspotas árabes são os maiores aliados dos EUA no combate ao “terrorismo”. Aliás, Guantánamo (http://www.youtube.com/watch?v=QXlRJmpHFxA), que o candidato Barak Obama havia prometido fechar, continua “abrigando” 192 suspeitos que se não estivessem lá, também teriam sido enviados a centros de detenção “especializados” instalados em alguns países árabes.
A cumplicidade é devida a um pragmatismo imediato de temerem que os fundamentalistas ocupem seu lugar. Para agradar os EUA até deixam Israel avançar e avançar em seus projetos de ocupação e só defendem a Palestina quando são obrigados por uma insatisfação popular que os ameace. Eles agora sabem que todos os seus palácios têm telhado de vidro, embora pensassem que fosse de aço e que o ouro do petróleo fosse uma proteção inoxidável.
Por isto, pelo receio que a casa desmorone e que tenham de fugir para nunca mais voltar, (como foi o caso de Idi Amin Dada que morreu rico, mas exilado em uma mansão que virou mais uma prisão do que um oásis) por todo lado a alta de preços que está estrangulando as famílias foi subitamente gelada, a promessa é de baixa, e pelo menos pão vai encher a barriga das massas. Em tempos de crise aguda, promessas é que não faltam. 

Quanto à Tunísia, que os otimistas me perdoem, mas pela lógica da real-política, a não ser que a internet além de facilitar a comunicação tenha o poder de mudar cultura e mentalidade das classes populares, o mais provável é que, no caso de eleições presidenciais a população acabe elegendo um candidato ligado ao partido islâmico. Não por vontade individual, mas porque, que eu saiba, a oposição partidária é de fachada e o país ainda não dispõe de nenhuma liderança laica válida, já que a revolta foi espontânea, e não organizada.
O líder do partido islâmico moderado Ennahda, Rachid Ghannouchi, exilado entre Londres e Paris há mais de duas décadas, já declarou ao Der Spiegel que está preparando sua volta, mas que não deseja instalar no país um regime de partido único e nem instaurar a charia (lei islâmica). Mas sua liderança não atinge a juventude laica.
Enquanto isto, em Tunis, as prisões foram esvaziadas dos presos políticos e religiosos, a mesquita da Universidade de Tunis, de onde começou a revolta estudantil islâmica em 1981, foi reaberta na sexta-feira para um primeiro culto do qual participaram uns cinquenta estudantes, e todos os imãs tunisianos no exterior foram chamados de volta para casa.
A laicidade que é cultivada na Tunísia desde a independência da França em 1956 (as mulheres são proibidas de usar o hijab – véu – no serviço público), pode estar ameaçada e em poucos meses pode ser que as mulheres cubram a cabeça e os homens deixem crescer a barba. Mas são os tunisianos que têm de escrever sua própria história.
A notícia que tenho de última hora é que os sindicalistas, que se juntaram aos jovens no processo revolucionário, pretendem participar da reestruturação do Estado.
Quem sabe surge um líder oposicionista carismático?
Mas até as eleições democráticas muita água vai rolar. Mas o certo é que a Situação, até com ajuda ocidental velada, não poderá se reorganizar, pôr um verniz democrático na fala e na cara, e eleger seu candidato.
O processo democrático parece irreversível. Embora, para responder com honestidade as perguntas sobre os rumos da Tunísia e dos demais países árabes, seja obrigada a repetir que na verdade, fazer uma projeção definitiva do futuro laico da Tunísia nesta data não é fazer análise, é conjeturar. E não me meto nesta seara.

The Road to Guantánamo, de Michael Winterbotton: http://www.youtube.com/watch?v=JCUDFfBLRTU

domingo, 16 de janeiro de 2011

Palestina: Caça a bruxas imaginárias


A semana termina com o Brasil de luto pelas dezenas de mortes provocadas por desmoronamentos, ainda mais graves do que os do ano passado. É triste. Lamentável.
Na semana passada, enquanto o mundo estava distraído com Alexandria, ameaças de ataques terroristas e questões econômicas, sociais e políticas domésticas, o Knesset (Congresso de Israel) aprovou uma medida que aproximou o país dos EUA dos anos 50, quando um certo senador Joseph McCarthy tentou destruir a consciência ética nacional perseguindo toda e qualquer cabeça pensante e toda e qualquer voz que emitisse palavras que contradissessem suas ideias ultra-reacionárias.
O químico duas vezes nobelizado Linus Pauling e os cineastas imortalizados Orson Welles e Charles Chaplin foram alguns dos nomes entres as centenas que constavam da Lista Negra que privou o país da vanguarda artística, científica e literária da época. A lista foi ficando tão longa com a sede insaciável de que a ignorância predominasse que atingiu até o pai da bomba atômica, o herói nacional Robert Oppenheimer.
Como todo movimento de controle ideológico ou/e racista, o macarthismo não nasceu desvairado. Começou como quem não quer nada, ou melhor, como uma comissão patriota obcecada com a defesa nacional no período da guerra fria contra o comunismo soviético. Acabou como uma caça às bruxas ideológica que rivalizou em compulsão aleatória à vergonhosa Inquisição espanhola. E é a página mais negra da história da América do Norte. Não houve assassinatos diretos, como na nossa América, mas vários perseguidos se suicidaram e a evasão de cérebros e a queda da criatividade causaram muito estrago.
Daí o grito de alerta dos artistas, jornalistas e intelectuais liberais israelenses ao Knesset (congresso israelense) contra a comissão de inquérito “Kirshenbaum”, sobrenome de sua mentora membro do Ysrael Beitenu, partido de extrema direita cujo expoente é o Ministro das Relações Exteriores Avigdor Lieberman – cujas ideias fascistas e discursos de incitação ao ódio e ao racismo são frequentes e incontrolados.
Esta comissão parlamentar, contestada inclusive por alguns membros do partido de direita Likud, anuncia um anódino inquérito das contas das ONGs mais atuantes na área de direitos humanos e de oposição à política de ocupação e colonização das terras invadidas por Israel em 1967 e sua expansão bulímica na Cisjordânia, assim como do sítio de Gaza e dos bombardeios intermitentes que a Faixa sofre do exército, IDF (Israeli Defense Forces) http://www.youtube.com/watch?v=5irjxfVCNV4.
A extrema direita ataca porque no fundo se sente acuada. A insatisfação da população jovem e progressista israelense é clara. Algumas das ONGs que a Comissão visa, como B’Tselem, Gosh Shalom, Bat Shalom, Yesh Din, Machsom Watch e outras organizações engajadas na paz nunca foram tão populares. Os sites Machsom Watch http://www.machsomwatch.org/ de vigilância dos check points e de Breaking the Silence http://www.shovrimshtika.org/index_e.asp em que reservistas contam sua experiência militar na Palestina, são constantemente acessados, e o Global BDS Movement http://www.bdsmovement.net/, de boicote ao “Made in Israel” está atingindo cada vez mais consumidores locais em relação aos produtos procedentes das colônias ilegais.
Sem contar que os adeptos ao movimento dos objetores de consciência – “Schiministim” (alunos do terceiro ano do segundo grau) tem aumentado bastante. Sobretudo depois que em 2008 Omer Goldman, filha de Meir Dagan, então chefe do Mossad (serviço secreto israelense) ter se distanciado do pai, se recusado a servir exército – presa duas vezes por isto, e suas palavras de Objeção terem inspirado muitos outros jovens nos dois últimos anos: “Acredito no serviço à sociedade da qual faço parte e é precisamente por isto que me recuso a participar de crimes de guerra cometidos pelo meu país. A violência não vai levar a nenhum tipo de solução e eu não vou cometer violência. Aconteça o que tiver de acontecer”.
Quem vai a Israel fazer negócio e lida com empresários em hotéis internacionais ou em locais reservados, não se dá conta que a sociedade move. Como no Brasil na época da ditadura que esmagava ideias e ideais enquanto sorria aos negócios e ao capital.
A extrema direita lá ameaça a democracia que é tão cara aos judeus liberais e estes temem que como o Macarthismo, a comissão Kirshenbaum seja a primeira de outras medidas de restrição da liberdade de ação e de palavra.
Desta primeira invectiva as ONGs não temem nada. “Que verifiquem nossas contas!” diz B’Tselem, “elas estão todas publicadas”.
O que elas temem é que a caça às bruxas que está começando com o pretexto de verificação de contas já públicas, seja apenas uma plataforma para ataques mais graves às ONGs, que da Esquerda engajada o ataque se estenda a toda voz de oposição e que Israel perca a alma.
Em julho do ano passado o jornalista Uri Avnery já tinha alertado: Hoje eles expulsam membros do Hamas, amanhã do Fatah, depois os palestinos de Jerusalém, e no fim eles tirarão a cidadania de todos os ativistas pacifistas de Israel e você também!
Hoje Uri lamenta em um artigo recente contra a prisão iminente do pacifista Jonathan Pollak o perigo de que Israel se transforme em um lugar ruim para viver, cuja face racista repila os judeus do mundo, em que a frase “a única democracia do Oriente Médio” que lhes é tão cara, acabe provocando risadas. “O verdadeiro perigo não é que Pollak e seus companheiros exprimam suas ideias em passeatas de protesto, mas sim que eles parem de se manifestar e vão procurar outro lugar no mundo em que o termo de liberdade de expressão não seja uma pretensão vaga.”
Aliás, nestes últimos 30 anos a guinada para a direita em Israel tem sido uma constante irrefutável. Inclusive de personagens da “esquerda” moderada tradicional, como é o caso de Shimon Peres, cúmplice ativo do programa militar, no qual se inclui o proibido fósforo branco (http://www.youtube.com/watch?v=MKgph9PV3SA), e da colonização ilegal, entre outros crimes de guerra ocorridos durante seu mandato presidencial.
O Partido Trabalhista reinou até 1977 e quando voltou ao poder no fim da década de 90 com Ehmud Barak, Ariel Sharon provocou uma intifada dos palestinos e manipulou sua ascensão meteórica à cabeça do Estado. Desde então, a política de ocupação da Palestina tem encabeçado as pautas e o Likud, que era a extrema direita fundamentalista que todos execravam, foi ultrapassado pelo Ysrael Beitenu (Israel nossa casa), uma direita mais racista, mais expansionista, mais violenta da que inspirou o assassinato de Ytzhak Rabin em 1995 por este buscar a paz. Lieberman e seus comparsas representam a antítese do que Rabin representava. Eles veiculam ódio, violência, opressão e nos últimos meses, repressão inclusive de seus concidadãos engajados.
Apesar deste saudosista do nazismo ganhar terreno – mais ainda entre os colonos, já que também vive em uma bela casa em terreno ocupado na Cisjordânia – ainda confio na força e na determinação de Jonathan Pollak – que não baixa os braços, de seus companheiros, de Omer Goldman e dos demais shciministim, e dos incansáveis israelenses que se juntam aos palestinos para denunciar pacificamente os horrores da ocupação, do muro, da colonização e para chamar o mundo ao boicote dos produtos das colônias – aliás, o último em data é contra os da exportadora Camel-Agrexco http://www.agrexco.co.il/en/home.asp.
Israel tem muita gente boa, de valor, humanistas, democratas que realmente acreditam que a única saída é a paz e ela só vai chegar com o respeito aos direitos dos palestinos. O cinema geralmente espelha a sociedade, seus males, suas idiossincrasias, suas vontades. O de Israel tem os alienados comuns a todos os países, mas tem cada vez mais cineastas e documentaristas engajados: Yoav Shamir http://www.yoavshamir.com/bio.asp, Eytan Fox http://www.imdb.com/name/nm0297202/, Hagai Levi, Eran Riklis http://www.imdb.com/name/nm0726954/, David Benchetrit entre tantos que junto com outros cidadãos do mundo vão conseguir que o lobby da violência se sufoque no boicote solidário – como contra a África do Sul na época do apartheid.
Artistas como Elvis Costelo, Santana, Massive Attack, Roger Walters, Brian Eno, Annie Lennox, Gil Scott-Heron, Gorillaz, The Pixies, Ken Loach, Mike Leigh, Jean-Luc Goddard, Meg Ryan e Dustin Hoffman já se recusaram a se apresentar em Israel. A lista tende a aumentar e se o esporte aderir, maior será o impacto.
Aliás, não seria nada mal que a participação de Israel na fase classificatória da “nossa” Copa do Mundo em 2014 fosse condicionada à permissão dos jogadores palestinos apátridas formarem um time e treinar como qualquer dos nossos jogadores que nascem em terra própria, têm direitos, passaporte e família que dorme em paz todos os dias sem temer que a casa seja derrubada ou, sem mais nem menos, bombardeada e que teto e vida desabem.
http://www.youtube.com/watch?v=fOHmk75F9bA

O calvário da jornalista Helen Thomas por criticar a ocupação 



PS. Falando em boicote lá no alto, fui comprar frutas e vi umas tâmaras lindas e apetitosas, mas estava escrito: origem, Jordão. Quando disse que não as compraria porque vinham das colônias israelenses nos territórios ocupados, a vendedora abriu um sorriso e disse que, naquele dia, eu era a quarta pessoa que recusava as tâmaras com as mesmas palavras! O boicote é mesmo uma arma pacífica eficaz. Pergunte a origem do que compra e não se deixe enganar: Jordão = Territórios Ocupados. Embora o rio fique na Cisjordânia, os palestinos não têm acesso a ele nem à sua água.



B’Tselem: http://www.youtube.com/watch?v=HlALXWV7eok
http://www.youtube.com/watch?v=8HgWGZbk1vA

Breaking the silence:
http://www.youtube.com/watch?v=LY7zi2E-x2Y
http://www.youtube.com/watch?v=HjjWU6ZRyLQ

Schiministim: http://www.youtube.com/watch?v=pNjggLhQo6w
Omer Goldman: http://www.youtube.com/watch?v=dpC6n98bQCw

domingo, 9 de janeiro de 2011

Alexandria! Alexandria!



Alexandria é uma pérola rara. Daquelas pérolas verdadeiras, irresistíveis, imperfeitas, modernas e ao mesmo tempo clássicas. A cidade é o retrato da vida que ela foi acumulando e virando uma madrepérola iridescente que envolve os organismos vivos, humanos, que entram nela e a quem há séculos ela vem acolhendo com brilho renovado.
Como se sabe, Alexandria foi criada pelo macedônio Alexandre, o Grande, em 331 AC para logo virar capital do Egito sob a dinastia dos Ptolomeus, terminada em 30 AC com Ptolomeu XVI, o « rei dos reis » filho de Júlio César e Cleópatra.
Ficou na história primeiro pela Grande Biblioteca construída nessa dinastia em 288 AC com um acervo de 400 mil pergaminhos de valor inestimável – todas as obras de Homero (20 exemplares da Odisséia caligrafada!), Sófocles, Eurípedes, as estantes completas de Aristóteles e de outros filósofos e poetas da antiguidade. Foi incendiada em 48 durante a luta entre Cleópatra e um rival, reconstruída por Marco Antônio com duzentos mil volumes levados de Pergamum, pilhada em 389 DC por fanáticos no reinado de Teodosius e finalmente reconstruída em 2003 para ficar.
Alexandria era a cidade culta regional e a cultura está impregnada em seus prédios, ruelas e ruas largas.
Nasceu cosmopolita e sendo a segunda metrópole do império romano, foi muito importante no desenvolvimento do cristianismo. O evangelista Marcos foi o primeiro patriarca da cidade – sua relíquia foi roubada por mercadores venezianos em 828, transportada a Veneza e sobre ela foi construída a Basílica situada na Praça principal da cidade. Até ser restituída ao Egito onde repousa na Catedral de São Marcos no Cairo.
São Marcos repousa no Cairo, mas o berço do Cristianismo egípcio foi Alexandria. Ela abriga o Patriarca da Igreja Copta e é o cartão postal da tolerância que é sua imagem de marca desde os primórdios. Nela convivem pessoas de todas as origens geográficas e religiosas. É uma cidade civilizada, cujas dimensões acanhadas não lhe tiram as características próprias de uma metrópole.
A bomba que explodiu no dia 31 de dezembro na Igreja dos Santos é portanto um ato terrorista covarde, selvagem e tristemente simbólico. Seu objetivo é semear discórdia inter-comunitária, inter-religiosa, atingir os países ocidentais atacando a menina de seus olhos para minar a tolerância em sua base árabe mais sólida.
Os intelectuais e os representantes políticos e religiosos muçulmanos esclarecidos entenderam a mensagem odiosa e reagiram em seguida condenando o atentado e se distanciando de seu propósito. No Egito, bandeiras com a cruz e a lua crescente, símbolo do islamismo, foram ostentadas em vários lugares para buscar a unidade.

Mas infelizmente o espírito unitário é frágil, pois os problemas dos cristãos locais não se resume a este atentado sanguinário. Os cristãos, 10% da população de 80 milhões de habitantes, vêm se sentindo marginalizados embora vivam no país desde antes de ele ser islamizado. Dispõem de 9 parlamentares - dois eleitos e sete nomeados pelo presidente Hosni Mubarak, no poder há 40 anos e que embora pregue uma sociedade láica, de pluralidade religiosa, deixa decisões importantes nas mãos de pessoas com objetivos menos unitários. Há pouco tempo os cristãos foram desautorizados a construir uma igreja no Cairo e nos últimos 25 anos basta andar nas ruas para sentir a islamização ostensiva das cidades.
Em janeiro do ano passado seis cristãos foram assassinados em Nagga Hamadi, onde os evangelhos apócrifos foram encontrados, e o Patriarca Copta Chenuda III não deixou de lembrar na missa natalina de sexta-feira (os Cristãos Ortodóxos celebram o Natal no dia 7 de janeiro) o julgamento próximo dos culpados. O veredito terá valor dobrado.
Mas como todos os males vêm para bem, embora lamente os mortos e os estropiados vítimas deste ato de terror injustificável, a explosão despertou atenção para algo que vem sendo banalisado ou ignorado pelo mundo ocidental. Enquanto o papa Bento XVI defende os direitos de culto dos judeus e dos muçulmanos que vivem em solo europeu e americano, os cristãos de alguns países do Oriente, da Ásia e até da África, vêm sendo cada vez mais discriminados e acuados.
A história realmente não serve para nada.
Entre abril de 1915 e julho de 1916, a Turquia procedeu ao maior genocídio do século provocando a morte de dois terços da população armeniana cristã local – 1.5 milhões de pessoas. A medida, que misturava deportação e massacre, foi planificada e executada nos mínimos detalhes. O «sucesso» foi tamanho que inspirou uma frase célebre de Hitler quando um de seus cúmplices conjeturou sobre o julgamento da história da limpeza étnica que organizava: Quem se lembra dos armenianos?
O terço que sobreviveu ao massacre e que não conseguiu emigrar, se viu obrigado a esconder tanto sua fé cristã que boa parte da geração atual ignora que seus bisavós, avós e a mãe ou o pai antes rezavam o Pai Nosso, fechados no quarto.
A história provou que Hitler estava errado. Levou seu plano a cabo, mas foi e é condenado nos livros de todas as escolas ocidentais. Mas ele acertou na análise: o genocídio armeniano continua fora de todas as páginas.
É por que os armenianos são cristãos e aprenderam a perdoar e dar a outra face?
Por que o mundo ocidental, quer queira quer não, é cristão, e cultiva um mea culpa interminável por causa da Inquisição apesar deste episódio horrível já ter sido reconhecido, reprovado em todas as gerações até a nossa. Já está passando da hora de ser ultrapassado e ficar apenas na História aprendida em casa e na escola.
No caso dos armenianos, até hoje a injustiça não foi corrigida e eles sonham com o Monte Ararat enquanto os turcos penam em reconhecer seus atos, embora a União Européia comece a cobrar que, pelo menos, peçam desculpas (como a França fez pela colaboração) e se dê o caso por encerrado.
A Turquia de hoje merece virar a página e fechar este livro de horrores de seus antepassados.
Quem sabe assim envia uma mensagem aos outros países que acham que cristão é um alvo fácil.
É claro que o Egito está longe de pensar em massacrar os oito milhões de cristãos nacionais. A situação é, por enquanto, incomparável. Os filhos de Mubarak (este ditador que suporta os coptas não por tolerância ou afinidade, mas pela consciência de que sem a elite financeiro-intelectual cristã seu país fica sem quadros) participaram da missa natalina em uma marca de solidariedade e em Alexandria, como no Cairo, as igrejas estão fortemente policiadas para evitar novos ataques.
E embora a cidade chore seus mortos como Bagdá chorou e chora suas vítimas de inúmeros atentados (oficiais e oficiosos, aleatórios ou programados), ela resiste e resistirá a ataques, segundo o que se ouve na praça.
Nas calçadas de alexandria também tem aumentado o número de mulheres em hijab - cobertura parcial ou integral do corpo e do rosto - mas ainda mostram a face enquanto os cabelos das cristãs esvoaçam sem arruaça, no calçadão da praia a brisa marítma mexe com saias, a vida continua, e judeus, muçulmanos e cristãos batem papo nos bares.
Qualquer que tenha sido o objetivo dos terroristas, eles não ganharam.
E se o governo mudar, e os ventos democráticos soprarem no Egito quando o povo decidir derrubar Mubarak, quem quer que ocupe seu lugar vai ter de tolerar os cristãos do mesmo jeito. Pois sem eles, além do Egito virar um país desprovido da cor da mistura que é sua imagem de marca, seria difícil dirigir o país para o desenvolvimento que precisa sem os coptas que são sua base.  
E você, quando for ao Egito mergulhar no Mar Vermelho ou visitar as pirâmides faraônicas, leve na bagagem O Quarteto de Alexandria, o clássico do escritor irlandês Laurence Durrel. A estória impregnada da cidade de Alexandre, Júlio César, Cleópatra, Marco Antônio e São Marcos, vai certamente atrai-lo ao norte. Aí, nos passos dessas personalidades que marcaram a história ocidental você passeará pela cidade que hoje atrai estrangeiros pelas mesmas razões que desagradaram Mark Twain em 1867 – «prédios comerciais imensos, ruas lindas e brilhantes que à noite lembram Paris» – mas em que a história está na particularidade arquitetural e sua preciosidade está no vento de liberdade que soprava e teima em soprar nos dias "santos" das três religiões monoteístas - domingo, sexta e sábado.
Respirando o ar aberto ao passear por aqui e acolá, você apreciará melhor ainda a cultura greco-romana e a riqueza da diversidade.
Além disso, demonstrará solidariedade e mostrará aos terroristas que o nosso ar tupiniquim tolerante e cordial pode soprar em todas as paragens.

Tesouros de Alexandria

Documentário da BBC: In the footsteps of Alexandre (trailer)